Um dos males de ir envelhecendo é
perceber que nenhuma acção pode ficar isenta de uma reacção. Não é bem um
“efeito borboleta”, nem karma, nem
azar.
É, simplesmente, uma consequência
do que escolhemos em momentos determinados. E não há a hipótese do banho-maria,
do “nem carne nem peixe”. É assim. Trigo limpo, farinha Amparo.
Quando há crimes bárbaros, com
sangue a espichar por todo o lado, há sempre uma alminha que diz, com toda a
naturalidade: “são maus momentos. Momentos do diabo.”
Maus momentos, tecidos pelo mal
encarnado, que têm o poder de mudar para sempre muitas vidas.
Não costumo matar pessoas, pelo
menos no sentido real da palavra. Posso, eventualmente, assumir as culpas por
alguns homicídios latos, de corpos que permanecem, garanto, em actividade. Por
isso, nunca mudei vidas de forma tão drástica. Mas, certamente, terei mudado a
min
Tenho em crer, aliás, que nenhum
de nós muda o curso de vida porque quer. Há quem diga, por aí à boca cheia, que
toma decisões racionais, ponderadas.
É mentira. Pura mentira.
Ninguém toma atitude que seja sem
que haja uma pauta emocional. Somos unos: cérebro e coração. E o malvado do
segundo protagonista fala alto para caramba.
Ou, quiçá, pense assim porque sou
mulher. As mulheres são muito mais do factor sentimental, não são? Ainda no
outro dia me disseram “para vender alguma coisa numa decisão em casal, basta
que a mulher diga que goste, que é bonito. Está vendido.”. Ou seja, que se lixe
o lado lógico da coisa, o que importa é que fale ao coração.
Ainda assim, voltando ao tema
central, certo é que toda a atitude gera uma consequência. E isso às vezes é
mau, pois, assumo sem o dramatismo que incuti linhas acima. Mas o raio da culpa
é da idade. Porque quando temos idade para ter juízo, já ninguém vai
desvalorizar uma mão arisca ou uma palavra mal dada. Não somos miúdos do
pré-escolar, que estão a aprender onde estão os limites. Quando temos certa e
determinada idade, devíamos saber que esta vida é rodeada de cercas
electrificadas, e que, quem não quer levar um valente choque, não estica
demasiado o sim-senhor.
No final das contas, mesmo quando
devíamos estar mais maduros, e saber que agir sem pensar pode ter consequências
irrevogáveis, pensamos sempre, sempre, sempre assim: “que se lixe! Não quero
saber!”.
E…lá vamos nós.
Às vezes faz doer, às vezes dói,
às vezes porra nenhuma.
Um acto. Uma consequência. Temos
que aprender a lidar com isso, mesmo quando os “momentos do diabo” não colmataram
num derradeiro crime.
O que não quer dizer que não nos
recriminemos.
Certa vez, encontrei um gato
meigo na rua. Amarelo e branco, com os olhos verdes. Andava por ali na rua, a
miar, despertando em mim a vontade de o levar para casa. No meio de alguns
olhares desentendidos e muitas tentativas de fuga, levei o bichano comigo,
debaixo de um braço. Dei-lhe uma lata de atum, limpei-lhe o óleo do pêlo com
uma toalhita húmida, e deixei-o andar por ali.
Sou alérgica a gatos, por isso
fiquei cheia de conjuntivite; o gato queria era estar na rua, até porque tinha
casa, e não sabia usar a caixinha da areia; acabei por devolvê-lo ao local onde
o encontrei.
Moral da história: Nem sempre
tomar uma atitude é a melhor opção, tendo em conta os possíveis desfechos; nada,
por melhor ou mais bem-intencionado que nos possa parecer, passa incólume ao
crivo. Na dúvida, fique quieto: pode não ser bom, mas, pelo menos, não vai
haver retaliação.
Foto: http://i.telegraph.co.uk/multimedia/archive/02572/boomerangNEW_2572230c.jpg