sexta-feira, 5 de setembro de 2014

O amor não é para ser cantado

Sou contra as músicas românticas.

Parem já com isso, pelo amor de Deus! Que raio!

Músicas que falam de amores eternos, amores impossíveis, de casamentos, de traições, de separações abruptas que fizeram rolar lágrimas suficientes para encherem três oceanos Pacíficos.

Falar de amor é fácil, e é por isso que eu falo dele. Qualquer pessoa pode falar de amor sem errar. Lá no fundo, o amor é o que nós quisermos. E como quisermos.

Bom, adiante. As músicas românticas são expressões exasperadas de amor. Clamam por sentimento. Até os próprios cantores, ao vivo, colocam um semblante adequado à ocasião, como que se a sua musa estivesse ali. Ou olham para o vazio, com olhos de carneiro mal morto, que, diz o povo, nunca são grande agoiro.

Em bom reparo, se eu soubesse cantar, talvez não escrevesse sobre o amor. Talvez o cantasse. Compunha letras, punha uma guitarra ao ombro, e seguia, estrada abaixo, a trauteá-lo (ao amor, pois está visto).

Cantar o amor torna tudo mais dramático. Palavras profundas, dizeres sábios de quem sofreu na pele dos males do infame sentimento. Também há os que rejubilam com ele. Ou quem seja bipolar nesse campo, como o Bruno Mars, que ora vai casar com ela, ora a perdeu e já anda com outro.

Por exemplo, analise-se esta canção dos Coldplay : Tell me you love me/ If you don't then lie/Lie to me.
Ora, é lá bom mentir a alguém? Ou se ama ou não. Agora, querer que lhe mintam? Hmmm. Suspeito. Então o pessoal do amor pede sinceridade, e agora é isto?

E, repare-se, qual música que fale sobre amor ou corações palpitantes, tem o caminho aberto para o sucesso.

Caso do Luan Santana, que diz que “amar não é pecado”. Pois não. Mas devia ser. E cantarolar sobre ele igualmente.

Uma overdose de amor, é o que temos nas rádios, nas redes sociais e em todas as esquinas.

O amor persegue os incautos. Apanha-os desprevenidos no trânsito. Salta-lhes de becos escuros, armado até aos dentes.

O amor não passa despercebido. Porque o amor sacoleja-nos como marionetas em dia de teatro, grita a plenos pulmões, confunde-nos, magoa-nos, tira-nos sono, fome e sede. Por vezes a dignidade.

E, pior.

Canta-nos.




quinta-feira, 4 de setembro de 2014

“Amanhã” ainda cá estaremos?

O maior medo chama-se “amanhã”.

O “amanhã” é tramado, é sim senhor. Porque ninguém sabe como vai ser. E temos tantos planos para ele…

Só que, acontece com frequência, descobrimos que os planos têm falhas, subterfúgios e que tendem a correr da forma que não queremos.

O “amanhã” é um pequeno trasgo transmontano, que é uma espécie de duende traquina, cheio de vontades e humores.

No “amanhã” queremos partir correntes, queremos brilhar, queremos chegar ao pôr-do-sol com a sensação de dever cumprido. E chega o “amanhã” e muda tudo. Ou melhor, nada muda.

As mesmas correntes, o mesmo dia bacento, a mesma sensação de que podia ter sido diferente.

Esperamos por outro “amanhã”, com pouca paciência e menos entusiasmo – já sabemos que ele nos vai lixar.

“Um dia…”, ouve-se, algures. Talvez só dentro da nossa cabeça, a martelar, a rodopiar, como uma bala perdida a fazer ricochete.

“Um dia…”, dizemos. E acreditamos. Tem que ser assim.

Um dia, vamos ultrapassar medos, barreiras. Vamos ser bons, ou fazer de um tudo para sermos piores (porque é preciso também).

Que o “amanhã” não nos tire o horizonte. De “amanhã” em “amanhã” chegamos ao “um dia”, aquele que será só nosso.

Até “amanhã”.





terça-feira, 2 de setembro de 2014

O recomeço quase no fim do ano

Tenho reparado que muita gente anda a escrever sobre este novo mês.
Setembro parece inspirar as pessoas, e, deduzo, consideram-no um mês de mudanças - ora porque voltam as aulas, os empregos, as rotinas, as modalidades desportivas, os tribunais e muitas mais coisas, que agora não me lembro.
Bom, Setembro, na opinião da maioria, é então um mês de mudança. Não é como na bola, que a meio trocamos de campo. Nada disso. Junho é só um mês chato porque nem está calor nem frio, não há férias, e também já não há futebol.
Setembro é que é. Ele é o derradeiro mês. Não considero, ainda sim, favorável altura para cumprir as resoluções de ano novo, porque ficamos com um deadline apertadinho.
Compreendo este ponto de vista. Repare-se, nenhum demente, por mais que queira, vai procurar emprego no Verão, quando há água por todo o lado, areia, pessoal descascado e festas que brotam como cogumelos.
Já Setembro é claramente uma boa aposta. Acaba a boa vida, e a todos parece excelente altura para mandar CV’s para todo o lado.
Em Setembro também deve haver promessas infundadas e incumpridas, como na passagem de ano, para quem se esqueceu das anteriores, usando o champanhe a mais como desculpa para isso. E deve haver quem prometa que vai emagrecer, engordar, ler mais ou ser fiel.
Só não entendo esta mania das pessoas em dividirem o ano em etapas. Cada dia é uma etapa. E, se queremos mudar, ou fazer algo diferente, por que é que temos que esperar por algum mês, ou dia, ou hora?
Assim só vamos parecer surfistas, à espera de onda. Pessoalmente, gosto da imagem que tenho dos surfistas, e gostava de esperar ondas com eles, mas isso são outros quinhentos.
Chateiam-me divisões e catalogações temporais. Em Agosto pára o país e o mundo. Em Setembro tudo regressa em força. Agosto é, analisando a cru,  uma falha nos dentes de uma roda – chega ali, estagna, e depois pula.
Podíamos, até, fazer uma festa para este mês, dada a sua carga tão própria e os sentimentos que provoca nas pessoas – quem estuda, fica empolgado; quem já não estuda, fica melancólico; quem trabalha, fica irritado; quem está reformado não pensaa nisso, e vai jogar à sueca com os amigos.
Mas, esperem. Não, não. Esqueçam a festa. Isso exigia feriados, para as devidas recuperações. E temos que pensar no PIB nacional, depois de um mês de papo para o ar.
Por isso, bem-vindos a Setembro.

Dispersar! Que, com certeza, tem muito que fazer hoje.

Meu querido mês de Agosto

Agosto é um mês estranho.
Infiltra-se quando o ano já passou do meio, e são 31 dias que em tudo diferem.
Afectam tudo que possam imaginar.
Em primeiro lugar, os carros. Agosto faz com que muitos carros tenham problemas mecânicos, e os piscas deixam de funcionar. Em nenhum outro mês do ano encontraremos tamanho fenómeno, em que vamos a conduzir e a jogar na lotaria, para perceber quando é que o car...ro da frente vai virar.
Agosto é perito em tirar a roupa às pessoas, mas também afasta algumas loucuras.
Aqui está o facto que o fez bater com o queixo no chão. É verdade. Estou em crer que em Agosto há menos sexo. Ora reparem, há um estudo que diz que a maioria dos portugueses nasceu em Setembro. Já Maio (façam lá as contas) é dos meses em que menos mamãs foram parar à maternidade. É isto.
Em Agosto há filas em todo o lado, a toda a hora – para ir à casa de banho, para comprar pão, nos multibancos (quando há dinheiro nas caixas ATM, ainda) … E por aí adiante.
O malandro do Agosto também tira a vergonha às pessoas. Na praia ou na piscina não há pudor em ficar, literalmente, com os pés na toalha da pessoa do lado. E ainda se reclama, se o dono da toalha não achar piada por ter a mesma ocupada por unhas amarelecidas.
Em Agosto surgem novos idiomas. Há o clássico “je quero quatre natás, e après duas broas”. E resulta. Para isso basta que de Francês saiba as músicas da Édith Piaf.
Resulta noutras línguas, e passo a transcrever um diálogo telefónico que ouvi, sem querer (e pouco podia fazer sobre isso, o senhor estava a gritar): “No estó en Portugal. Mira, me dá de comer aos canários “, e depois a conversa descambou, não em portunhol, mas em português, e não me é permitido escrever aqui com detalhe.
Este fenómeno não está confirmado, mas em Agosto há mais carros de luxo na rua. Coincidência, ou talvez não, nem há uma semana cruzei-me com um Maserati. Há outros carros na rua, mais coloridos e com música muito alta. Este fenómeno, sim, está confirmado.
Em Agosto toda a gente almoça, janta ou petisca fora mais vezes. Porque em Agosto o tempo é escasso para tudo. Parece que os dias encolhem, e que as noites multiplicam-se em festas.
Em Agosto a cerveja sabe melhor. É um par perfeito.
Em Agosto nunca há nada nos supermercados – metade das prateleiras estão sempre desfalcadas.
Em Agosto ninguém tolera dias sem sol e sem uma torreira infernal.
Em Agosto há gente em todo o lado (já disse isto, não já?)
Em Agosto há malta de férias, há pessoas em todo o lado (enfatizar bem), como se tivesse havido um mega-êxodo de algum lado para todo o lado.
Viva àquele que é o querido mês de Dino Meira!


Os empatas

Nunca acreditei tanto em que diz, à boca cheia, que uns e outros só andam cá a empatar a malta.

Pessoalmente, achava que todos fazemos falta, para podermos dar um contributo à humanidade, ou simplesmente para contabilizar número e parecermos muitos em caso de uma invasão extraterrestre.

Estou neste momento na pequena fatia que acha que a restante população deveria ir dar uma volta a Marte.

Esperem, senhores da NASA! Escolhamos antes outros colonos para um novo mundo.

Somos um bando de críticos de sofá que faremos sempre melhor, sempre seremos mais espertos, mais dinâmicos, mais
bonitos, mais magros, mais polivalentes.

Só não fazemos mais porque, e passo a citar, “não tenho tempo nem paciência para gastar com pessoas que não valem a
pena.”

E, como não fazemos nada, mas picamos ponto, estamos para a sociedade como os carros das escolas de condução ou os chamados “papa-reformas” para o trânsito – fazemos engarrafamento. Ou como o colesterol para as veias – só entupimos.

E aqui vamos andando, a pisar as ideias dos outros só pelo simples facto de não termos sido nós a tê-las.

Deveria haver uma lei que obrigasse toda a gente a ajudar quem quer pensar out of the box, a quem não tem medo de dizer “eu tive uma ideia”,
porque de facto a teve mesmo, e tem os requisitos para a levar avante.

Isto porque os que devem, marejados com o que os rodeia, não acreditam em si, no seu potencial. Mais! Muitos não têm o potencial, de todo. Pior! Esses são os que acreditam que têm talento para tudo quando na realidade não o têm. Desgraça! São seguidos por um bando de acéfalos que lhes dão voz.

Sou da opinião de que quem não pode fazer, deve deixar fazer. Como nos filmes, quando alguém se está a esvair em sangue e sicrano grita, lá do meio da multidão: “Sou médico!”. E o pessoal o que faz? Abre caminho.

E o senhor passa, faz truques como o MacGyver, e conclui a performance a salva uma vida.

Imaginem que não se abria caminho, e que o médico era impedido de prestar auxílio? Assistíamos, de forma
colectiva e passiva, a uma morte.

É o que acontece na vida real. As vítimas são os sonhos, que clamam por ajuda para serem concretizados. Mas não chega o socorro, porque os doutores não vêm, com as agulhas e os termómetros e os analgésicos e as compressas que a situação demanda.

Porquê? Porque esbarram nos empatas, que ainda se acham no direito de gritar “Ei, não empurrem. Parece que não têm tempo de chegar. Eu também esperei nove meses para nascer. Acalma lá os cavalos.”, e acrescentam um “meu” no fim, que dá um ar de mafioso capaz de
tudo.

São mesmo capazes de tudo. Capazes de ver um sonho morrer, em praça pública, sem mexer uma palha para que aconteça
o contrário.

Não bastando, os empatas são os mesmos que reclamam da inércia, da falta de resultados, de trabalho.

Dizem-no perante os sonhadores, que viram sangrar os seus planos em público. Eles apenas podem encolher os ombros,
e ir sonhar para outra freguesia.

“E os ideais, pá? Onde estão os ideais?”, ouve-se na multidão.

Mas os sonhadores, esses, já não estão.

Foram fazer as malas e reservar um bilhete para Marte, sem esperança que algo mude.


Coluna "Más línguas, boas conversas"
In Jornal Terra Quente

A culpa é do cosmos. Não! Da genética.

Já muito falei sobre o azar.
Essa Tânia, a que falava de azar, faz parte do passado. Isto porque depois de entrevistar o Padre Fontes me iluminei o suficiente para me mentalizar que isso das mezinhas e do mau-olhado são para outros, que não eu.
Agora, esta nova Tânia que vos escreve, sabe que as causas do improvável me bater à porta não estão em sapos e bruxas.
A causa é cósmica.
Sim, cósmica. Vinda lá do espaço, estão a ver?
Nah, continua a parecer rebuscado.
Bom, vamos aperfeiçoar e dizer que é genético. Tenho o gene da maleficência. Não que eu seja má. O gene é que é, e funciona como um íman para o lado negro de tudo.
Isto funciona melhor à base do exemplo, para que se entenda a minha dor.
Imagine-se que o meu telemóvel, com menos de dois anos, estava a dar-me muitos problemas. Como não tenho pachorra para telemóveis com síndromes de adolescente, que só fazem o que querem e quando querem, resolvi que estava na hora de comprar um novo.
Chegada à loja, e a seguir aos diálogos da praxe, escolhi um, que ainda por cima estava em mega-desconto. “Que boa compra fez, que pechincha!”, exclama a senhora da loja.
E eu saí de lá convicta disso, e feliz por ter um telemóvel novo, dual SIM e, pasmem-se, cor-de-laranja. Um sonho, portanto.
Duas horas mais tarde, o equipamento novo apresentava um pequeno traço preto no ecrã. De repente, já eram três, de cabo a rabo. E não posso afirmar que nada mais suceda.
Para piorar, a troca será um caso bicudo.
E é assim. Nada poderia ser fácil para mim. Nem mesmo a compra de um telemóvel. Se fosse outra pessoa qualquer do mundo, ele funcionaria com normalidade. Só que não. É meu. Por isso, havia de ser o que vinha com problemas.
Sinto-me uma Jane a participar no Survivor, só com uma faca de barrar manteiga no bolso de uns calções esfarrapados.
O melhor é ignorar. Até porque já estou mentalizada de tudo se me irá adensar num determinado momento. É como se andasse sempre com aqueles obstáculos do atletismo atrás ou como se de manhã atasse a sapatilha direita à esquerda. 
Poderia dizer-lhos que assim é que a vida tem piada – tudo difícil. E, enquanto isso, estofava o peito.
Mas não.
Culpo a genética por tão vil fado. Sigo, cabisbaixa, à espera que algum geneticista se debruce sobre o meu problema, e crie algum transgénico capaz de me tornar numa super-sortuda. Ou, pelo menos, em alguém normal.
E, enquanto vos escrevo estas pesadas linhas e verifico se o meu telemóvel não criou mais nenhuma risquinha insolente, sei que, por estas e por outras, nunca ganharei o Euromilhões, nem sequer terei o almoço feito quando chegar a casa. 



Más línguas, boas conversa
In Jornal Terra Quente

Morram as relações, morram! Pim!

As relações são irritantes. Todas as que envolvam um cariz amoroso, ou por aí, o são.
Ele é nomes fofos, é perguntas parvas, crises de ciúmes descompensadas… Uma panóplia de coisas que, a bem dizer, não fazem sentido.
Admiro as pessoas que formalizam o amor, dentro e fora das redes sociais. Que não dão um passo sem a outra. Que ficam iguais, quais gotas d’água de uma torneira mal vedada – falam da mesma forma, gostam das mesmas coisas, das mesmas cores, dos mesmos sabores de gelado, dos mesmos restaurantes, dos mesmos filmes.
Basta pum basta!
Temos que decidir se queremos alguém para ter uma relação ou um clone. Ou, melhor ainda, um ser híbrido, que faça tudo para nos ver feliz como uma criança no Natal.
As relações são como aqueles vales de desconto dos hipermercados – é para ir acumulando. Isto porque, dizem, o melhor é construí-la.
E se me apetecer e não for artigo de folheto? Tenho eu que esperar? Ou seja, novamente citando os entendidos, há que ser paciente, acarinhar, cuidar, estar presente.
Isto não é como ir a um hipermercado? Vamos passando, amiúde, a fazer de conta que só vamos comprar cigarros ou uma revista. Em boa verdade estamos de olho no tal artigo, que sabemos ir entrar em desconto na próxima semana.
E depois vem a correria, a azáfama de chegar a horas, de escolher o produto menos amachucado (é que todos queremos o melhor).
Isto é, ou não, tal e qual como fazer a corte a alguém? Vamos aparecendo, estando presentes sem pressionar, para na hora H, TINGAS!
Plantamos o amor num vaso (que compramos nos tais descontos) e vamos mimando até ficar grande. A fase seguinte é a das ervas daninhas que referi no início.
Tem que ser assim? Devo eu deixar de acreditar no amor sem interesse, sem querer um alguém como eu?
Eu não quero um “eu” masculino (até porque tenho barba que chegue). Quero alguém que não seja “eu” e que goste do meu “eu” sem o querer mudar.
Confuso?
Não quero alguém que fale como eu, que pense como eu, que goste dos mesmos gelados do que eu e que seja do Benfica.
Feliz de quem não precisa de todas as mariquices do amor para ser feliz. E para gostar de alguém.
O amor é forte e espadaúdo e único. Assim como cada pessoa.
Não façam clones – façam amor.
Pim!



Vade Retro!

Antes de me alongar em pensamentos sem sentido, devo avisar que 99,9% das pessoas que lerem este texto até ao fim se vão identificar com ele.

Aproveito para dizer que têm que passar o texto a dez pessoas antes da meia-noite. Ah! Antes disso tem que dar voltas a uma capela qualquer, à vossa escolha. E escrever coisas num papel (não, não falo da lista de compras). Se não o fizerem, não posso afirmar, mas poderão acontecer-vos coisas pouco agradáveis.

O mais provável é que não aconteça nada… Mas que as há, há. E mais não digo.

Isto tudo para vos dizer que somos todos um bando de azarados.

É isso mesmo! A-Z-A-R-A-D-O-S.

Estatisticamente falando, por mês (estou a usar um espaço de tempo simpático), usamos expressões como “tudo me acontece” ou “que azar do caraças”, e por aí fora, imensas vezes.

E mesmo quando um amigo nos diz “fogo, isso só mesmo a ti” não conseguimos deixar de sentir um pequeno orgulho gritante, que reprimimos, por modéstia. Isto porque ser azarado e passar impune dia após dia, é o mesmo que passar num corredor armadilhado com machados, bombas, buracos negros e mesmo zombies sanguinários, e sair ileso.

Tenho pensado nisto do azar porque começo a achar que alteraram o calendário, e que, na realidade, eu nasci numa sexta-feira 13 carregada e não num sábado 7 solarengo.

Ora, mas nem me importo. Não tendo caldeirão nem vassouras que passem as da Vileda que me valham, só posso concluir que todo o mal que se abate sobre a minha cabeça, para mal dos meus pecados, é simplesmente sinal de que estou viva por mais uns tempos.

Afinal tem muita razão quem diz que “não acontece só aos outros”. Pois não, meus caros. Acontece, espantem-se,a todos nós.

No dia em que deixarem as chaves dentro de casa, baterem com o carro, perderem documentos ou avariarem (estragar também é válido) objetos (só não o façam em semanas muito próximas, que é um bocadinho pesado. Oiçam a voz da experiência), não corram a hipotecar a casa para pagar a um Professor Bambo qualquer! 

Lembrem-se antes que, em alguma parte do mundo, haverá alguém na mesma situação. E que o Titanic se afundou num ano em que nem havia risco elevado de formação icebergs (isso é que foi azar).

Não sei se há bruxas, invejas,maus-olhados, mezinhas, macumbas, livros e rezas que sejam plo mal. Apenas posso jurar a pés juntinhos que o azar faz parte da vida, e que nenhum exorcismo vos pode livrar dele.

Não se preocupem com essas coisas. Mas, e não vá o diabo tecê-las, não tire esse dente de alho de onde está, enquanto eu dou três pancadas na madeira. 




Más línguas, boas conversa

In Jornal Terra Quente

São só 5 minutinhos

Há um hábito muito tuga, muito nosso e muito patriótico de pedir 5 minutinhos às pessoas.

Pedem-me 5 minutinhos na rua, quando caminho com pressa desenfreada; roubam-nos 5 minutinhos numa chamada telefónica (desconfio que mesmo nas linhas eróticas) para confirmar informações; 5 minutinhos demoram os nossos amigos a chegar ao local combinado; 5 minutinhos é o tempo que temos que aguardar numa repartição qualquer, para que depois seja a nossa vez; 5 minutinhos é o tempo que nos separa da resolução de todos os nossos maiores e prementes problemas; vamos dormir só mais 5 minutinhos de manhã.

Estes 5 minutinhos (e, reparem no diminutivo, que tem com função fazer parecer que se tratam de meros milésimos de segundo, e que num abrir e fechar de olhos, voilà, tudo pronto! Sem espinha nem espiga.) dizem-nos serr somente uma fracção irrisória da nossa cronologia.

Acontece que 5 minutinhos é muito tempo.

Tive plena consciência disso com duas miúdas de 6 anos, a quem, num acto que puro amor à bandeira das quinas, dei 5 minutos para se deslocarem à casa de banho.

Foi uma canseira ver as pequenas a galgar escadas, qual maratona ou corta-mato, para que não ultrapassem os precisos 5 minutos que lhes disponibilizei. Quando voltaram, ofegantes e orgulhosas por cumprirem o meu dealine, perguntaram-me: “Mas quanto é que são 5 minutos?”. É que elas não sabiam ainda o valor das horas, e os ponteiros a mexer-se no mostrador de um qualquer relógio pouco mais queriam dizer do que um tic-tac qualquer.

Retirada na minha ignorância sobre a infância, estiquei um pulso trémulo para lhes explicar (sou tão querida às vezes eu!). Depois de elucidadas sobre esta questão, encolheram os ombros, de declararam, com a espontaneidade que só uma criança de 6 anos tem: “Oh! Afinal 5 minutos é muito tempo!”.
E é mesmo. Elas têm razão.

Fazemos tantas coisas em 5 minutos. Desfazemos tantas coisas em 5 minutos.

Adiar 5 minutos, ou atrasar 5 minutos, pode fazer a diferença. Entre a atitude e a inércia estão, aposto eu, 5 minutos, de braços esticados, a marcar a distância.

Se podemos adiar 5 minutos, por que não fazer agora neste momento? Se queremos já, porquê esperar mais 5 minutos?

O tempo é precioso para o adiar sucessivamente. Ora perguntem ao Cronos.

Podiam dizer que noutros povos estas expressões temporais também são usadas, que não é nada de nosso, como a saudade. Pois eu acho que é. Aliás, alguns preferem falar em segundos. Mas nós, não. É tudo em grande, e por isso pedimos logo minutos.Nenhum outro povo pedirá 5 minutos com a clara noção de que, meia hora volvida, ainda estaremos no mesmo ponto, na mesma situação.

Isto dos 5 minutos é um engodo maldito para, normalmente, esquecer factos ou enganar o próximo.

Vejam bem: quando digo aos meus amigos (eles podem confirmar - sintam-se à vontade para falar mal de mim) que estarei a chegar em 5 minutinhos, eles sabem que é um claro sinal de que ainda nem acabei de me aprontar, e que me farei tardar. Se dissermos a alguém que fazemos/iremos/perguntamos/etc algo em 5 minutos, estamos a dizer que não queremos saber de nada do que nos foi proposto, e que, com a palma da mão a bater na nossa testa, descaradamente, nos desculparemos porque nos “esquecemos totalmente”. Quando, na rua ou à porta de casa, nos dizem “Tem 5 minutinhos?”, sabemos que nunca durará menos de uma hora.

5 minutinhos são então pílulas amnésicas, ou ampulhetas mágicas em que a areia no seu interior cai grão a grão, com prazo indefinido.

Ninguém me roubará 5 minutinhos indiscriminadamente, sem a minha permissão. Quando mos pedirem, irei olhar para os arames aguçados do relógio. E contarei, segundo a segundo, os 5 minutinhos que cedi.

Não sei se estarei certa ou errada. Mas, peço 5 minutinhos para pensar sobre isso.


Más línguas, boas conversa
In Jornal Terra Quente