Raros momentos são, mas existem, aqueles em que
penso em mim.
Calma! Não digo isto por ser altruísta extremista,
ou ter falta de amor-próprio, ou por ficar enamorada com o meu próprio reflexo (o
que acontece com frequência). Nada disso.
É uma daquelas fases em que é como que se
estivéssemos sentados na plateia desse grande cinema que é a vida, e víssemos a
nossa vida como se ela nos fosse alheia.
Pegando neste pressuposto, analisando
cinematograficamente a minha vida, para começar, o argumentista era sem dúvida
muito fraco. Pouca acção, personagens absolutamente dantescos e cada fechar de
capítulo assemelha-se estranhamente a uma tragédia grega. E a personagem
principal – relembro aos mais distraídos que estamos a falar de mim – é totalmente
bipolar, azarada e com a mania. O realizador também não está de parabéns. Não
escolheu os planos certos, para me favorecerem mais. Até a iluminação deve ser
feita com lâmpadas económicas – sabemos que estamos a fazer bem ao ambiente,
mas a luz é fraquinha, deus nos livre! Bom, poderia falar do elenco, mas apenas
os papéis secundários foram mal entregues, com aqueles actores que nunca
decoram as falas e cheiram de forma duvidosa a whisky manhoso.
Se a minha vida fosse mesmo um filme – tirem notas
para referências futuras – queria ser uma boa vilã. Ninguém confia em pessoas
boazinhas demais. Aliás, a mim assustam-me! Não há ser humano sem lado negro,
que sorria a todo o instante e nunca arranje uma desculpa (mesmo querida) para
evitar uma situação chata. Mas também não gosto de gente má rês. Isso não, que
me dá asco! Por isso o meio-termo parece-me bem – entre a mártir e o implacável
sanguinário.
Depois, claro, haveria a perfect love story, como
nos filmes. De preferência com um Matt Bomer heterossexual qualquer. E o final
seria minimamente feliz. Assim sem grande aparatos, uma coisita eficaz e
realista.
No entanto, aconteceu o impensável. E eu sou
argumentista, realizadora e actriz (principal, secundária e algumas vezes,
figurante) da minha vida. E isso veio a revelar-se uma calamidade.
Assim, não há Bomer para ninguém. É mais como ter
uma vida amorosa estilo festa VIP – eu nem sequer fui porque não me convidaram
e não tinha dinheiro. O resto mantem-se (nunca disse ter jeito para o
guionismo).
Nem tudo é mau. Posso sempre planear um final
inesquecível e hollywoodesco. E até lá
vou ensaiando em frente ao espelho a cena principal, com enorme carga
dramática, e esperar que um dia alguém grite: “Cortaaaa!”
Mas corta o quê, pá? Agora que isto estava a aquecer…