quinta-feira, 26 de setembro de 2013

Fitas e cenas tristes

Raros momentos são, mas existem, aqueles em que penso em mim.
Calma! Não digo isto por ser altruísta extremista, ou ter falta de amor-próprio, ou por ficar enamorada com o meu próprio reflexo (o que acontece com frequência). Nada disso.
É uma daquelas fases em que é como que se estivéssemos sentados na plateia desse grande cinema que é a vida, e víssemos a nossa vida como se ela nos fosse alheia.
Pegando neste pressuposto, analisando cinematograficamente a minha vida, para começar, o argumentista era sem dúvida muito fraco. Pouca acção, personagens absolutamente dantescos e cada fechar de capítulo assemelha-se estranhamente a uma tragédia grega. E a personagem principal – relembro aos mais distraídos que estamos a falar de mim – é totalmente bipolar, azarada e com a mania. O realizador também não está de parabéns. Não escolheu os planos certos, para me favorecerem mais. Até a iluminação deve ser feita com lâmpadas económicas – sabemos que estamos a fazer bem ao ambiente, mas a luz é fraquinha, deus nos livre! Bom, poderia falar do elenco, mas apenas os papéis secundários foram mal entregues, com aqueles actores que nunca decoram as falas e cheiram de forma duvidosa a whisky manhoso.
Se a minha vida fosse mesmo um filme – tirem notas para referências futuras – queria ser uma boa vilã. Ninguém confia em pessoas boazinhas demais. Aliás, a mim assustam-me! Não há ser humano sem lado negro, que sorria a todo o instante e nunca arranje uma desculpa (mesmo querida) para evitar uma situação chata. Mas também não gosto de gente má rês. Isso não, que me dá asco! Por isso o meio-termo parece-me bem – entre a mártir e o implacável sanguinário.
Depois, claro, haveria a perfect love story, como nos filmes. De preferência com um Matt Bomer heterossexual qualquer. E o final seria minimamente feliz. Assim sem grande aparatos, uma coisita eficaz e realista.
No entanto, aconteceu o impensável. E eu sou argumentista, realizadora e actriz (principal, secundária e algumas vezes, figurante) da minha vida. E isso veio a revelar-se uma calamidade.
Assim, não há Bomer para ninguém. É mais como ter uma vida amorosa estilo festa VIP – eu nem sequer fui porque não me convidaram e não tinha dinheiro. O resto mantem-se (nunca disse ter jeito para o guionismo).
Nem tudo é mau. Posso sempre planear um final inesquecível e hollywoodesco.  E até lá vou ensaiando em frente ao espelho a cena principal, com enorme carga dramática, e esperar que um dia alguém grite: “Cortaaaa!”
Mas corta o quê, pá? Agora que isto estava a aquecer…


A experiência

Tal como acontece a todos os jovens estudantes, com o aproximar do final do curso académico, os pensamentos sobre o que me espera no mundo de trabalho começam a assolar-me. Pesquisei já em muito sites, daqueles em que figuram inúmeras ofertas de emprego. E a cada novo anúncio que lia, a sensação de estar a cair de um precipício ia aumentando. A palavra “experiência” aparecia copiosamente em todos os dignos de registo, e, estranhamente, com o número 2 ou 5 à frente. Completando o puzzle ler-se-ia algo semelhante a “experiência mínima de 2 anos de trabalho efectivo”. Certo é que é difícil conseguir experiência quando as oportunidades parecem estar num pedestal. Alguns conseguem-na, outro não, dependendo da arte, do engelho e da persistência com que se encara o assunto. Há alguns dias li uma frase que dizia, mais ou menos, que cada “não” ouvido é mais um passo para se alcançar um “sim”. E realmente, exceptuando as desventuras de milhares, funciona assim. Essa malvada palavra – experiência – não me saiu da cabeça. E num estilo algo freudiano, cheguei ao impensável – ela invadiu os meus sonhos!
 Ali estava eu, num posto dos CTT, com um molho de envelopes, recheados com o meu anoréctico currículo, onde se lia, em letras garrafais, “devolvido por falta de experiência”. De repente, estava numa sala branca, num estilo decorativo semelhante a um consultório de dentista, que identifiquei através de uma plaquinha (sim, os meus sonhos têm legendas), como sendo o departamento de Recursos Humanos de uma qualquer cadeia de hipermercados nacional. Esperei pela minha vez, por entre uma enorme fila, até ser chamada para ir à faca, que é como quem diz, à entrevista de emprego. Enfim, convocaram o meu nome. Avancei decidida. Era a hora. Atrás da porta estava uma senhora – a senhora do departamento dos Recursos Humanos – com um nariz pontiagudo e uns óculos minúsculos e redondos a pairar sobre ele. Apenas proferiu uma pergunta: “A menina tem experiência?”. Empalideci e a boca secou. “Aaaa… bem…sim…”. Podia sentir o sangue cristalizar nas veias. “Costumo utilizar as caixas automáticas sempre que venho às compras”, rematei.
Mas não foi suficiente. Quem ficou com o lugar da Caixa 9 foi a Cátia Vanessa, que trabalhou no supermercado do bairro quando deixou os estudos, e que declarou ainda que tinha nascido para aquilo. Ali estava, uma comprovada experiência! Depois disso, acordei atordoada. Na minha cabeça, flutuava a imagem da Cátia Vanessa a passar uma embalagem de leite e um quilo de maçãs pela caixa registadora, enquanto eu saía pela porta dos fundos, ao som dos “bip, bip, bip” compassados. Não posso negar que com a experiência vem a sabedoria. Os dizeres populares têm sempre razão. Mas, é incontestável que actualmente é necessário ter sabedoria para obter experiência. No final das contas, experiência temos todos. Pode é não ser na área laboral a que desejamos pertencer. Alguns são versados na cozinha, outros na condução. Outros, ainda, são exímios a descortinar a vida dos outros. Ainda assim, para os jovens que procuram emprego (muitas vez, o primeiro) não deveria contar a vontade de aprender, em vez da experiência? Não somos nós, jovens, que vamos ser a fonte de produtividade do país? Muitos apenas esperam uma oportunidade para serem abarcados pelo mundo do trabalho. Para provar que querem ganhar experiência e que estão à altura do desafio. Para já, sem experiência no ramo que quero seguir, procuro explorar as experiências que a vida me dá (com um empurrãozinho, que nada cai do céu!). E, um dia, escreverei um livro com a minha experiência!

O estranho caso das relações

As relações são o que são, chegam onde tem de chegar, e nada mais há a dizer. Contra factos não há argumentos.
Sumariamente, existe muito esta mania de fazer perguntas e de pôr todos os “se’s” possíveis, como que se isso fosse mudar o rumo da nossa vida. Palavras não mudam nada, e pouca gente é frontal ao ponto de dizer o que sente realmente. Por isso, perguntas como “se eu mudasse o meu feitio por ti, ficavas comigo?”, ou “se eu arranjasse um emprego aí por perto, podíamos ser felizes?” não vão trazer nada de novo, a não ser o mal-estar geral e uns quantos ataques de vómito.
Nisto de estar com alguém, amar alguém, estar apaixonado, esbarrar ocasionalmente, não há truques nem dicas. Somos o que somos, o que cada pessoa nos faz ser. Se já mudei por alguém? Sim, já. Se valeu a pena? Nem por um segundo.
Ouvi um casal discutir numa mesa de café. Um jovem casal, em idade e maturidade. Ela atirava-lhe à cara que só ele só liga aos amigos; ele, muito ofendido, defendia-se dizendo que se ela quisesse ele poderia mudar isso, enquanto, entre uma frase e outra, negava copiosamente tudo que saía em jorro da boca dela. Podemos concluir que são o centro do mundo um do outro. Podemos também concluir que ele queria estar com os amigos, e ela queria beijinhos e carinhos a toda a hora, estilo cola UHU. Por isso, podemos aferir que nunca algo assim terá pernas para andar.
Acredito que se possa ter alguém sem a necessidade de o verbalizar, de o demonstrar a toda a hora. É nosso e pronto. Um breve olhar e um sorriso trocados entre os dois será como uma longa conversa num dialecto próprio. Sem cobranças. Sem rotinas inúteis. Apenas duas pessoas que se agradam com a companhia do outro. Que são felizes por se poderem ajudar mutuamente. Tudo isto de uma forma imperceptível ao mundo, mas capaz de abalar o mundo delas.

Todos os dias.  

O consultório do amor

Quem me conhece sabe que odeio hospitais. Hospitais, ou coisas similares. Vá lá, tudo relacionado com a saúde me deixa doente. E além disso é o sangue, as agulhas e até os kits de primeiros socorros. Resumindo, para me arrastar até uma unidade hospitalar, é sinal que estou já a ver o São Pedro entre nuvens, ou um túnel estranhamente iluminado.
Contudo, e porque dizem que a idade nos torna mais maduros, resolvi começar a zelar pelo meu bem-estar físico e psicológico (e daí, talvez a minha mãe tenha algo a ver com este assunto).
Após 8 meses de longa espera, - sim, isso mesmo, SNS – tive direito a 20 minutos de consulta só para mim!
Entre as inspirações e expirações, algumas perguntas básicas e uns formulários para preencher no computador (que estava sempre a encravar), fui percebendo que, afinal, não estava a ter só uma consulta médica de rotina. Melhor do que isso. Tudo aquilo era um pack exclusivo – por apenas uma consulta receba também, totalmente grátis, conselhos amorosos.
Saí um pouco mais esclarecida daquela sessão. Não em termos médicos. Ou, posto nesses termos, saí especialista em cardiologia. Fiquei assim a saber, por quem já viveu mais do que eu, que namorar não é, de todo, forma de conhecer alguém. Devemos conhecer os homens como amigos e dar-lhes uns “apertões” (só para ver como reagem). É como diz o povo: apalpar bem a fruta na mercearia, não vá o diabo tecê-las e ela vir podre.
É que, aprendi nesta pequena palestra sentimental, os homens como namorados ocultam coisas. Se é namorado, já não vai ser ele mesmo. E depois de casados…Ai aí é que são elas! E dá para o torto. Portanto, sejamos amigos. Se houver a tal “chama”, num mês estamos aptas para casar.
Ora, isto até tem a sua lógica. Os nossos amigos não têm que nos agradar, nem pagar a conta, nem reparar que cortamos o cabelo, nem dizer que estamos bonitas com aquele vestido. Isto porque são homens, certo? Homens sem segundas intenções nas mulheres, normalmente, não prestam atenção a tamanhos detalhes. Mas, se houver um amigo-homem que aja de forma diferente, e faça tocar sininhos na nossa cabeça, pode perfeitamente ser um noivo-homem, ou, quiçá, homem-homem.
Outra questão focada pela minha médica-conselheira, muito pertinente, é o amor à primeira vista. Ela acredita que existe.
Já me apaixonei à primeira vista. Só que nunca por homens. Vestidos, sapatos, e outros que tal, são capazes de me arrebatar o coração. Só que muitos, de perto, desiludem. E tenho de fazer o meu luto amoroso, e passar para a montra seguinte.
Com os homens não é o mesmo? Olhamos, e ficamos pelo beicinho. Vemos mais de perto, e os defeitos aparecem. Às vezes são tantos, que parecem brotar como água de uma fonte. Aqui fazemos o tal recolhimento emocional, e passamos à fonte seguinte.
Não cheguei a conclusões irrevogáveis sobre o amor ou os homens. Isso não. Mas pelo menos trouxe papéis com toneladas de análises para fazer. O que, convenhamos, nos dias que correm, é melhor do que um homem-homem ou um amor à primeira vista.


 Publicado in Jornal Terra Quente
(Coluna quinzenal "Más línguas, boas conversas")