Dá-me a sensação – e alguém, por favor, me dê um
safanão se for mentira – que o amor anda com mau aspecto. Muito pálido e sem
força. Definhado, vá lá.
Pelo que oiço e converso com alguns amigos, dizer
“amo-te para sempre” está totalmente out.
Ninguém diz isso hoje em dia. É passado! Ou se o diz é com desinteresse, como
se fosse algo inconsequente. É como dizer “é uma torrada e uma meia-de-leite,
se faz favor” no café da esquina, todas as manhãs. E não. Devia ser dito com o
sentimento dos discursos do Braveheart,
nessa batalha, por vezes sangrenta, que é amar alguém.
Então deduzo, com o peito apertadinho e cheio de aflição,
que o amor está meio morto. Já não é sentido como se fosse um terramoto. Antigamente,
quando havia amor do bom, quando dois apaixonados se encontravam, o chão
tremia, e era medível na escala de Richter. E toda a gente, com firme certeza,
podia dizer “olha, mais um casal que está a matar saudades”.
Agora não. O amor vive do “vamos com calma”, “logo
se vê”, “ainda é cedo”, e o mais sensacionalista, “um dia isto acaba, e cada um
vai para seu lado”, como que se a partir desse dia todos os passos que derem
sejam destinados a ser opostos e a levá-los para longe um do outro. Perdoem-me,
mas é como caminhar e ter o ex nas nossas costas, a gritar a plenos pulmões,
“vai para o raio que te parta!”. Houve até uma artista, Marina Abramovic, que
levou isto de acabar um relacionamento tão a sério que percorreu a Grande
Muralha da China a pé, com o seu ex-companheiro, Ulay. Ela começou num extremo.
Ele noutro. E quando se encontraram, algures pelo meio e depois de percorridos
2500km, despediram-se e cada um seguiu o seu caminho, aposto que a praguejar
baixinho “vai para o raio que te parta.”.
Isto tem que ser falso! Então não era o amor capaz
de ultrapassar barreiras? Capaz de superar os defeitos? Esquecíamo-nos que ele
nunca baixava a tampa da sanita, ele perdoava os nossos sapatos espalhados pela
casa e a falta de espaço no armário. Aceitávamos os defeitos, acarinhávamos as
virtudes, e tudo isso junto, qual esparguete à bolonhesa, dava o amor, que
polvilhávamos com queijo ralado a gosto e que comíamos, a lambuzar-nos, com
molho a escorrer pelo queixo.
Agora o amor é comido com faca e garfo, num qualquer
restaurante gourmet, com o guardanapo
de pano sobre o colo. É tudo
pouquinho, para não fazer mal, com um toque de verduras para ser colorido e
saudável. É como ir aos CTT e saber que não vamos ultrapassar o peso permitido,
nem pagar mais de franquia.
Tretas! Se já não há amor desmesurado, então não
quero amar.
Se calhar nós é que nos colocamos numa posição
obtusa em relação a ele. Olhamos para o amor com os olhos semicerrados, com ar
de ameaça. E depois, com razão, ele nem se alimenta direito e salta as
consultas de rotina.
Por isso sugiro que se dê um choque ao amor. Ele
está em paragem cardio-respiratória, e precisa de mais do que de um boca-a-boca.
E como acho que está com um pé na cova, o melhor mesmo é pegar já no
desfibrilhador e dar-lhe um valente esticão, com muitos volts.
Publicado in Jornal Terra Quente
Coluna quinzenal "Más línguas, boas conversas".
3ª publicação