quinta-feira, 17 de outubro de 2013

A desfibrilhação do amor

Dá-me a sensação – e alguém, por favor, me dê um safanão se for mentira – que o amor anda com mau aspecto. Muito pálido e sem força. Definhado, vá lá.
Pelo que oiço e converso com alguns amigos, dizer “amo-te para sempre” está totalmente out. Ninguém diz isso hoje em dia. É passado! Ou se o diz é com desinteresse, como se fosse algo inconsequente. É como dizer “é uma torrada e uma meia-de-leite, se faz favor” no café da esquina, todas as manhãs. E não. Devia ser dito com o sentimento dos discursos do Braveheart, nessa batalha, por vezes sangrenta, que é amar alguém.
Então deduzo, com o peito apertadinho e cheio de aflição, que o amor está meio morto. Já não é sentido como se fosse um terramoto. Antigamente, quando havia amor do bom, quando dois apaixonados se encontravam, o chão tremia, e era medível na escala de Richter. E toda a gente, com firme certeza, podia dizer “olha, mais um casal que está a matar saudades”.
Agora não. O amor vive do “vamos com calma”, “logo se vê”, “ainda é cedo”, e o mais sensacionalista, “um dia isto acaba, e cada um vai para seu lado”, como que se a partir desse dia todos os passos que derem sejam destinados a ser opostos e a levá-los para longe um do outro. Perdoem-me, mas é como caminhar e ter o ex nas nossas costas, a gritar a plenos pulmões, “vai para o raio que te parta!”. Houve até uma artista, Marina Abramovic, que levou isto de acabar um relacionamento tão a sério que percorreu a Grande Muralha da China a pé, com o seu ex-companheiro, Ulay. Ela começou num extremo. Ele noutro. E quando se encontraram, algures pelo meio e depois de percorridos 2500km, despediram-se e cada um seguiu o seu caminho, aposto que a praguejar baixinho “vai para o raio que te parta.”.
Isto tem que ser falso! Então não era o amor capaz de ultrapassar barreiras? Capaz de superar os defeitos? Esquecíamo-nos que ele nunca baixava a tampa da sanita, ele perdoava os nossos sapatos espalhados pela casa e a falta de espaço no armário. Aceitávamos os defeitos, acarinhávamos as virtudes, e tudo isso junto, qual esparguete à bolonhesa, dava o amor, que polvilhávamos com queijo ralado a gosto e que comíamos, a lambuzar-nos, com molho a escorrer pelo queixo.
Agora o amor é comido com faca e garfo, num qualquer restaurante gourmet, com o guardanapo de pano sobre o colo. É tudo pouquinho, para não fazer mal, com um toque de verduras para ser colorido e saudável. É como ir aos CTT e saber que não vamos ultrapassar o peso permitido, nem pagar mais de franquia.
Tretas! Se já não há amor desmesurado, então não quero amar.
Se calhar nós é que nos colocamos numa posição obtusa em relação a ele. Olhamos para o amor com os olhos semicerrados, com ar de ameaça. E depois, com razão, ele nem se alimenta direito e salta as consultas de rotina.
Por isso sugiro que se dê um choque ao amor. Ele está em paragem cardio-respiratória, e precisa de mais do que de um boca-a-boca. E como acho que está com um pé na cova, o melhor mesmo é pegar já no desfibrilhador e dar-lhe um valente esticão, com muitos volts.



 Publicado in Jornal Terra Quente
Coluna quinzenal "Más línguas, boas conversas". 
3ª publicação






terça-feira, 15 de outubro de 2013

Dá-me música

Hoje, que atravesso um período particularmente musical, dei por mim atormentada com uma ideia. Estive a pensar (momento de rara beleza, diga-se) e na minha opinião o saber popular devia adoptar o seguinte ditado: namorados novos, banda sonora nova.

É que me deixa ligeiramente enervada isto de reciclar músicas, principalmente no que a relacionamentos toca. Quase todos temos uma música favorita, que quando passa na rádio, num bar ou nos nossos auscultadores nos deixa, como dizer, em transe. Algo próximo do sagrado. E por isso não considero justo, nada mesmo, que uma nova relação herde músicas usadas.

Imaginem só, para verem como isto é macabro e de uma insensibilidade extrema. Está um casal de namorados, de forma muito tórrida, a trocar beijos molhados e ardentes, e mais coisas que não é correcto descrever com pormenor. Ele abre uma garrafa de vinho e põe em altos berros aquela música da Whitney, que no refrão é assim: “and I, will always love you”. E nisto deixa cair que a ex-namorada lhe gravou um CD super fofo, com corações desenhados a caneta de feltro, onde figurava aquela faixa. Ou ela canta-lhe ao ouvido, com um tom de pimenta na voz, “take my breath away”, e depois vem ele a descobrir que já muito fôlego ela perdeu por causa daquela sonoridade.

Veemente me manifesto contra isso. Com tantas Alanis, Bryans, Bon Jovis, Scorpions e por aí fora, não merecerá a pessoa que partilha connosco um momento ter uma música só dela? Pelo menos dêem-lhe o seu momento Malato. Quando ouvirem a tal canção: “Ah, já fui tão feliz ao som desta música!”.

As letras das músicas, dizem os entendidos, conseguem expressar de forma perfeita aquilo que, por falta de coragem ou das palavras certas, nunca verbalizamos. Li até num sítio qualquer que, quando alguém nos disser “ouve esta música”, devemos é prestar atenção à letra. Mesmo assim, hei-de eu cantarolar, escrever num postal de São Valentim ou no mural do Facebook a “Because you loved me” a todos os homens de quem gostar? Logicamente que, num determinado momento, cada palavrinha daquilo pode (e deve) ter sido verdade. De forma mais lógica ainda há-de haver um outro alguém na nossa vida para quem as mesmas palavrinhas irão fazer o mesmo ou mais sentido. Mas, vá lá, para todos a mesma música? Cliché em demasia. 

Devemos conter-nos sempre antes de trautear, sequer, canções românticas. Vamos antes comprar CD’s,  vamos ao ITunes, ou vamos sacar ilegalmente melodias novas para ouvir e sonhar. E depois escolhemos uma, qual jukebox do amor, para uma ocasião especial a dois. Ou vamos a um concerto, e zás!, beijamos o respectivo ao som de uns acordes que reteremos na memória para sempre. Meus amigos, e assim trilhamos a nossa história musical.

Mais uma vez, todos os meus pensamentos são idílicos. Isto não sucede na vida real. Isto, senhores, é uma utopia. Não se iludam. A não ser que a música seja recente, e tenha sido lançada já depois de estarem juntos, a probabilidade de ter pertencido a outro alguém é enorme. De 0 a 100? Arrisco uns redondos 80% em como estou certa. Atenção que se estivermos a falar de homens o número aumenta. Como bem sabemos, a sua imaginação e paciência nestas lides é, desculpem-me, quase nula.

Está-nos no sangue! Gostamos de certas músicas, e isso é mais imutável do que gostar de alguém. Rezem todas as noites para pertencerem aos outros 20% restantes. Pensem agora em casais que terminaram relações, em que o amor morreu só de um lado. Enquanto um continua a cantar (e a chorar) Jennifer Rush no banho, a pensar no que aconteceu ("porquê, meu Deus?", pergunta, agoniado), o outro está a sintonizar essa mesma música no auto-rádio do seu carro, para tentar a sua sorte após um jantar mais afoito, pronto para demonstrar todo o seu “the power of love”.

Resolvi agora, neste momento, que nunca vou associar nenhuma música da minha banda preferida a nenhum relacionamento. Depois de reflectir pesadamente sobre o tema, cheguei a uma conclusão brilhante: no que nas relações toca, somos musicalmente limitados. Isto é genético. E não quero ir a nenhum concerto dos Muse para chorar baba e ranho porque uma música, que outrora me dava arrepios, me passou a lembrar um badameco qualquer, que por infelicidade, me deu música.

segunda-feira, 14 de outubro de 2013

E o que Deus uniu…o Homem facilmente separa

Numa análise através dos tempos, desde os afonsinhos, é fácil encontrar histórias de amor eterno. De duas pessoas que se casaram muito novas, virgens (?), sem terem experimentado grandes namoros anteriormente, e cuja relação gerou muitos filhos e durou, tal como prometeram no altar, até que a morte os separou.
Segundo as estatísticas, na década de 60, em Portugal, em cada 100 casais que assinavam os papéis para se tornarem um só, apenas 1,1 (deduzo que alguns se tenham arrependido, ou não tenham formalizado o pedido, daí 1,1) assinavam mais papéis para retirarem tudo que tinham dito e prometido. Na década seguinte, de 70, o número baixou ainda mais, e apenas 0,6 casamentos tinham um fim. Repare-se, pouco mais de meio casamento só! Já no passado ano, 2012, em cada 100 casais de pombinhos a arrulhar, que até iam à Exponoivos, 73,7 chegaram à conclusão que afinal eram gaviões solitários.

Ora, isto é preocupante. Eu, que não namoro nem nunca me casei, fico um pouco assustada. Primeiro, um casamento é caríssimo. Ele é o vestido, o copo-d’água, o fotógrafo, a lua-de-mel… Enfim, como disse, um balúrdio! E pensar que há pessoas que o fazem de ânimo leve. No dia em que dizem oficialmente o “sim” já estão a pensar em espetar com um “não” na cara do suposto amor para a vida toda, mal tenham oportunidade. Só me ocorre aquela música dos The Black Eyed Peas, “Where is the love?”

Gosto de ser realista, quando a vida assim mo permite. E em boa verdade todos sabemos que muitas pessoas, principalmente as mulheres, não se divorciavam por pressões sociais e familiares. Estava institucionalizado que o casamento era para a vida toda, não havia segundas hipóteses! Muitas vezes, com alguns jogos de conveniência. Conheço até um caso verídico de um senhor, que com o nervosismo de pedir a mão do seu amor ao respectivo pai, se enrolou todo e equivocou o futuro sogro. Assim, o dito sogro percebeu que lhe tinha pedido a sua outra filha em casamento. E pensam que houve cá voltas atrás? Nah nah. Casou com a irmã, mesmo amando aquela que veio a ser sua cunhada.

O que é certo é que as pessoas acabavam por ficar juntas, principalmente no mal. Mesmo que houvesse filhos que eram a cara chapada do vizinho do lado, casos extraconjugais, violência doméstica ou simplesmente falta de amor ou de entendimento.

Em Portugal o divórcio é permitido desde 1910, ano da Implantação da República (data sem importância, que já nem feriado é!), mas corria o ano de 1940 quando o Vaticano assinou uma tal de Concordata que deixou de permitir os divórcios a todos que se casassem canonicamente. E só a partir de 1975 voltou a ser possível (talvez daí venham os magros números que referi há pouco). E agora, descobri horrorizada, nessa grande fonte de saber, que é o Google, que é possível divorciar-se num espaço temporal de 4 a 20 minutos, no Divórcio na Hora. Imagine-se que enquanto verifica o seu email e consulta a meteorologia, pode estar, em simultâneo, a divorcia-se.

Tem que haver aqui um truque qualquer, algo que nos está a escapar. Tem que haver um método para saber: a) se estamos a casar com a pessoa certa, e vamos ser felizes para sempre; b) se não vale a pena casar porque nos vamos divorciar. Podia ainda acrescentar uma opção c), que aposto que era assim que se fazia antigamente. Então, cá vai: c) aprender a dar, discretamente, umas “facadinhas” no casamento, só para saber se afinal estamos bem casados, ou aquilo está pior do que peixe podre.

Isto dito assim parece horrível. Mas, pensemos nisto, pode funcionar como pimenta nos relacionamentos. É como ir experimentar sushi e descobrir que aquilo não é para nós. E passamos a valorizar de uma forma suprema uma asinha de frango no churrasco. Ou vice-versa, porque nem toda a gente gosta de frango e nem toda a gente detesta sushi.

No meu caso, vou continuar a acreditar nos amores eternos e avassaladores, daqueles que vêm sem esperar e que só podem acabar num alpendre, rodeados de netos, ao pôr-do-sol. Contudo, folgo em saber que há mais opções! Até porque nunca gostei de gastar rios de dinheiro em maus investimentos.

E já que proibiram que nas cerimónias de casamentos religiosos se pergunte se alguém tem algo contra o acontecimento (o que é uma chatice para os amantes, que perderam o seu momento heróico), fiquem com a firme certeza de que mesmo depois de atirada a água benta e de trocadas as alianças, é possível, rapidinho e sem maçadas separar o que Deus ali uniu, normalmente com comunhão de bens adquiridos.