sexta-feira, 10 de outubro de 2014

Esmigalhados

“Mas tás parva, mulher?”, pergunta um bocadinho de mim. “Olha, se calhar até estou, sei lá.”, e o outro bocadinho vai embora, chateado.
Outro bocadinho já tinha saído meia hora antes da acesa discussão, para comprar pão, e outro bocadinho continua enroscado num canto, a ler um livro, ignorando tudo o resto.
Outro bocadinho ainda não acordou, porque chegou tarde a casa. E outro bocadinho nem dormiu, porque tem tido muito que fazer.
Outro bocadinho está, neste momento em que vos escrevo, a fazer as malas, porque quer viajar. E outro está a trabalhar, que alguém tem de ganhar dinheiro!
Isto podia ser simples, como acontece os filmes de animação, ou há uns anos num anúncio de iogurtes (“Brigadeiro engorda, brigadeiro não!”). Ou seja, um anjo e um diabo. Um lado bom e um lado mau, como que se a nossa alma estivesse dividida em dois hemisférios, que se digladiam de manhã à noite.
Na vida real, não é assim. No nosso mundo somos mais pessoanos. Porquê estar dividido em bom e mau, se somos, de facto, muitos? E não necessariamente bons ou maus.
Podemos ter um anjo e um diabo, algures, a fazer cócegas nos refegos da alma. No entanto, temos outra parte que não quer saber de nada daquilo, a parte distraída, que nunca sabe de nada, a parte “tu é que sabes”, a parte festeira, a soturna, a chateada/revoltada, a alegre, a que chora nos casamentos, e a que usa botas com biqueiras de aço.
Temos partes. Muitas. Assim é que é.
Somos seres heterogéneos por dentro, que se materializam num ser homogéneo por fora. Por isso dizemos, na rua “olha, é fulano de tal”. Mas, muitas vezes não sabemos mais nada daquela pessoa, porque não lhe conhecemos o interior.
Classificar as pessoas como “boas” ou “más” é muito limitador. Deve ser por isso que o ser humano é tão fascinante.
Aqui por dentro temos bocadinhos à solta. Manifs adivinham-se todos os dias, e as decisões vão a votação (por isso é que às vezes demoram).
Um dia tenho de marcar uma reunião geral com esta malta, para por alguma ordem!