terça-feira, 13 de dezembro de 2016

Já nem sei se é assédio, se é só burrice


Então, há mesmo (de verdade!) gente que acha que meter conversa nas redes sociais, numa de fishing, é fixe? Que “não tem nada de mal”? Que “é algo banal”?
Há?
Obviamente, daqui para a frente vão ler uma versão feminina do universo da internet. Deduzo que tudo do que vos vou falar agora aconteça aos homens, mas não tenho opinião sobre isso.
Há fenómenos estranhos, e crescentes, que honestamente eu não entendo. Segundo tenho visto, há já mulheres a escreverem nas redes sociais, estilo aquelas mensagens que colamos na caixa do correio que dizem “publicidade aqui não”, no caso sobre o facto de o sexo oposto ter que aprender a manter-se num nível… normal (até porque a estratégia de marketing e comunicação destes tipos é nula), e parar de as assediar. Assediar não é de homem. E o maior problema é que o simples facto de se existir parecer ser o mote ideal para este tipo de assédio electrónico.
Sejamos realistas – não é por escreverem o que quer que seja que quem é idiota vai deixar de o ser. Ninguém vai ler a vossa publicação e pensar “caramba, olha que parvo que eu sou, a pensar que as miúdas gostam é de ser abordadas à bruta, mesmo sem me conhecerem!”. Não, não vai acontecer. No máximo, vão enviar-vos uma mensagem a dizer que concordam, palavra por palavra, com aquilo que vocês disseram, e depois convidam-vos para tomar um café.
Isto é transversal: uma ligação numa rede social, um motivo para tentar iniciar conversas tão sem nexo como “Oi linda”, “Olá, tudo bem?”, “Não és a não-sei-quantas que faz não-sei-o-quê?”. Não tenho esperança que colocar isto por escrito mude o que quer que seja, mas, a sério (tom exasperado) conseguem perceber o quão ridículo isto é? Estão a imaginar a cara da miúda do outro lado? Ela vai comprimir os lábios, semicerrar os olhos (sim, uma cara de reprovação e tédio), e vão fazer o que estas mensagens merecem. Vão ler e nunca vão responder (mesmo que venham 20 mil vezes com a mesma ladainha. Vamos reforçar a imagem mental disto). Estão a ter um vislumbre agora? É ridículo, e humilhante, até, uma janelinha de conversação com um monólogo.
“Devemos ser mais criativos?”, perguntam agora os homens. Cruzes! Não! Um homem que é idiota ao ponto de achar que o torna macho e sexy invadir a privacidade de uma mulher assim, porque ela nem se vai importar (é o que passa na mente de um idiota), é idiota ao ponto de ter ideias mais idiotas ainda. E então passam para um patamar supremo. Uma vez (e isto é verdade) enviaram-me uma fotografia de um pénis. Sem nenhum “olá”, nem “oi” costumeiro. Lá que foi diferente, foi. Não. Obviamente não ficámos amigos.
Também adoro o “gosto muito do teu trabalho” (penso eu que a referirem-se às minhas crónicas. Por isso hoje vou perder leitores). Só que depois nem o conhecem, e lá no fundo devem achar que escrevo para atrair um bando de tarados da brigada do “oi”, quando em boa verdade a única coisa que faço é usar do meu cérebro, ao contrário deles, que se limitam a navegar na internet, e escrever “oi” em chats, indiscriminadamente.
A terminar este texto, convido os homens a fazerem um exercício rápido. Fechem os olhos, e imaginem as situações descritas. É esta a vossa ideia do que é ser um homem? Abordar mulheres que não conhecem de lado nenhum com o intuito de tentarem a sorte com elas?
Se vocês, homens, chegaram até aqui na leitura, responderam “sim” às questões aqui em cima e continuam a achar-se os maiores e super-engatatões, desculpem, realmente no vosso caso não é assédio, de facto. É burrice. E, lembrem-se: não estão a ser melhores do que aqueles a quem apontam o dedo sobre esta matéria.

Publicado originalmente em: Notícias do Nordeste



terça-feira, 6 de dezembro de 2016

Nem sempre sei responder

Este fim-de-semana, numa conversa de amigos, daquelas que me costumam dar material para escrever, fizeram-me uma pergunta que me apanhou em falso.
“Então, Tânia, e o que é o amor?”. Caramba, pá! Por esta não estava nada à espera, juro que não. Logo eu, que estou sempre com o amor na ponta na língua (sem qualquer conotação maldosa). A minha sorte é que a pessoa que me meteu em tamanha embrulhada tinha mais coisas para me dizer, e acabei por não ter que responder da forma imediata que temi.
Por coincidência, ou talvez não, há alguns dias partilhei nas redes sociais um texto que rezava assim: “Nunca ninguém vai conseguir definir o que é o amor.
O amor é tanta coisa na verdade, que seria, até, grosseiro e redutor criar-lhe uma definição só.
No entanto, estou em crer que amar alguém pode ser explicado com um casal de idosos, a passear de braço dado, enquanto ela resmunga, naquele tom propositadamente inaudível que as mulheres usam quando querem reclamar com os seus homens, e ele, com um ar de paciência infinita, perguntar num tom velado pelo carinho "Quê, filha?", ao passo que tenta concentrar-se para conseguir perceber a razão do amuo.” E isto, que agora voltei a reproduzir, é um retracto fiel da vida real, que me leva a perceber não o porquê de tanta gente ficar sozinha, mas o motivo pelo qual devemos, sim, ser exigentes com quem amamos e com quem nos ama. 
“Eu não sei o que é o amor. Já soube, mas já sei sentir isso, assim”, diziam-me, na tal conversa. Claramente em jogo está uma decepção. Um amor que não foi bem-sucedido deixa marcas inevitáveis, e que, para pior, desferidas no ponto exacto, doem demasiado tempo, como aquele joelho teimoso que avisa quando vai chover.
Lá no fundo, sabemos “quando vai chover”, antevemos decepções até antes do outro sonhar que nos vai magoar. É um instinto que temos, mas que ignoramos. Porque somos exigentes? Nah, somente porque queremos sentir aquele quentinho no coração.
Mas não chega, temos que saber que podemos, e devemos, querer mais. O melhor e mais repimpado amor. Eu sou exigente, cada vez mais. Reclamo atenção, faço beicinho se não me dão o que idealizo em triplo, e viro costas e faço o que, no mundo das gajas, se pode chamar o “desfile da diva”, que é quando resolvemos que a situação, seja qual for, está num nível “toooo much”, e que temos que fechar aquela porta, mas com algum estilo, sem histerismos e lágrimas (Quem nunca? E depois, muitas vezes, até nos arrependemos no minuto seguinte. Enfim, citando uma amiga, “é uma vida a sofrer”.).
Acreditam que quem amou a sério uma vez não pode amar nunca mais? Que fica “seco”? Ou ficamos apenas mais olho-vivo para o futuro (aka exigentes, que já não serve qualquer badameco)? E o que é o amor, afinal? É querer o bem de alguém? É desejar sexualmente? É querer ser um pinguim-imperador, e ficar a chocar ovos com o mesmo parceiro para toda a eternidade?
Não sei, nem quero saber, em boa verdade. Mas, que gostava que alguém não desentrelaçasse o braço do meu, mesmo eu estando tão venenosa como uma víbora, e que me dissesse “Quê, filha?”, cheio de ternura, lá isso gostava.
Haja amor, haja esperança, haja alguém neste caminho que nos faça acreditar.




Publicado Originalmente em: Notícias do Nordeste




terça-feira, 22 de novembro de 2016

All you need is love and love is all you need. It’s easy.

A primeira vez que ouvi Beatles era miúda. A primeira vez que ouvi com consciência do que estava a ouvir, entenda-se. Estava com os meus pais, não me lembro que idade tinha, mas tinha a suficiente para nunca mais me esquecer de me terem dito que eram quatro e que eram de Inglaterra, ainda que nessa altura, provavelmente, nem soubesse onde ficava a Inglaterra nem me importasse muito com isso.
Naturalmente foi a “Love is all you need” a primeira música que decorei como sendo deles. Não entendia patavina de inglês, mas é senso comum que isso não interessa nada quando se trata de música que fala de amor. Sente-se. Mesmo que a letra fale de repolhos a cozer ao lume.

“There’s nothing you can do that can’t be done.
Nothing you can sing that can’t be sung.
Nothing you can say, but you can learn
How to play the game 
It’s easy.”

Se nos tirarem o ar, a comida, os agasalhos do corpo (e desde que tudo isto seja metafórico), o amor consegue alimentar-nos e sobreviveremos. Se nos retirarem tudo num contexto real, podemos sobreviver por amor. Porque o amor não está explicado, e tem propriedades físicas, químicas e quânticas que permanecem um mistério.
Todos precisamos de amor, todo queremos o amor. Todos queremos todos os tipos de amor. Todos procuramos o amor, ainda que muitas vezes nem saibamos que o estamos a procurar. Por isso, todos o que dizem não querer o amor, mentem.
E bastem-se de mentiras!

“Nothing you can make that can't be made.
No one you can save that can't be saved.
Nothing you can do, but you can learn
How to be you in time 
It's easy.”

Os movimentos dos anti-amor, do bando de limões secos, que meteram o resto da Humanidade no saco do “são todos iguais e não há nenhum que eu queira, porque estou muito bem assim” já tiram a paciência a um santo. Estão a espalhar-se como um vírus dos filmes de zombies, e não quero ser contaminada. Os veículos são as redes sociais, onde, pelas minhas contas 100% são pessoas bem resolvidas e 95% odeiam o amor e amar, exceptuando os 10 dias do mês em que conhecem alguém novo e se entusiasmam. Os outros 5% destes últimos 95% correspondem aos casais felizes, que têm momentos bonitos para partilhar.
Caros solteiros por opção (dos outros, muitas vezes, como é o meu caso): deixem-se de mariquices, de dizerem que não procuram alguém que vos trate bem, que vos mime e que vos ame. Não digam que a culpa é do álcool, do signo ou do modo de vida actual. Se há coisa que é intemporal e que sabe sempre bem é um belo romance, uma paixão arrebatadora, um beijo roubado e uma mão na mão.
A vocês, que dão tanta enfâse ao facto de estarem sozinhos, a ponto de ter que o relembrar aos transeuntes uma vez por semana, pelo menos, o que só demonstra que estão mortinhos por encontrar alguém, só tenho a dizer:

“All you need is love, all you need is love,
All you need is love, love. Love is all you need.
Love, love, love, love, love, love, love, love, love.
All you need is love, all you need is love,
All you need is love, love.
Love is all you need.”


Publicado originalmente em: Notícias do Nordeste




quinta-feira, 17 de novembro de 2016

Depois da enxertia, ficamos hídrios

Estão a ver aqueles filmes em que as pessoas são substituídas por robots ou então sofrem “afinações”? Em que são mais perfeitas e fazem tudo bem, além de terem montes de utilidades práticas, que os humanos normalinhos não possuem? É só para vos avisar que isto está a acontecer.
Ocorrem-me Os Substitutos, a Ilha, Mulheres Perfeitas, e há um de que eu gosto muito, que é com o puto do Sexto Sentido, mas que agora não me está a vir o nome.
Pois bem, lamento deixar este triste aviso à navegação – esqueçam as pessoas com defeitos. Isso é old school.
As pessoas deixaram de ter defeitos muito por culpa da Conversão. A Conversão é uma máquina invisível que vive na cabeça dos seres humanos deste século, onde entram pela retina pessoas banais e cravam-se no cérebro super-heróis. Convertem-se os defeitos em virtudes que nos tornam em “únicos, insubstituíveis e fabulosos”, entre outros adjectivos nesta linha. Não os costumo usar, por isso, perdoem-me a falta de minúcia.
Então não é que agora não há teimosos? Nem chatos? Nem feios? Não se é teimoso, é-se “perseverante”. Não se é chato, é-se “insistente”. Não se é feio, é-se “peculiar”. Podem dizer que são prismas diferentes de ver coisas que permanecem iguais, mas, para mim, que continuo presa no passado, isto são tudo é palavras com significados diferentes, podendo ser, no máximo, eufemismos.
Já não há pessoas sem carácter. São “simplistas” agora. Gente má rês foi à dita máquina, apertaram-se uns parafusos, e pronto.
“Ah, mas toda a gente tem um lado B.” Acredito piamente, mas também não acho que suprir defeitos a torto e a direito seja ser politicamente correcto. Estou em crer que em muitos dos casos estamos só a ser condescendentes. Soubesse a Humanidade que a solução, afinal, está na forma como se diz…
Quem se lixa nesta história, são, como sempre, os bonzinhos. De que vale ter montes de qualidades, ter atitude, ter acção, num mundo onde tudo é passível de ALSF (para quem não teve adolescência, isto significa Amor Louco Sem Fim, e escrevia-se nas portas das casas-de-banho da escola, associado a um nome, que mudava de mês a mês) quase de forma instantânea? Mesmo uma noz seca, com um pouco de pó de arroz, transforma-se numa diva.
Hoje li uma frase, em português do Brasil, que dizia assim: “Você tem o direito de ser esquisito”. E talvez eu seja só uma gaja esquisitinha, daquelas mete-nojo, que implica com tudo.
Espera lá… “gaja” e “esquisita” são palavras feias… Não, vou ser antes uma “jovem” com uma “mente invulgar”.
Não sou de modas, mas, podendo ser um hídrico, e fazer uma operação plástica aos pordentros, não sou menos do que ninguém!



Publicado originalmente em Notícias do Nordeste




segunda-feira, 14 de novembro de 2016

Más línguas, boas conversas - o livro

Feliz de fazer doer na alma - é assim, neste lastimoso estado, que hoje partilho com vocês a capa do livro que resulta de três anos como colunista.
Em breve, mais novidades!







Procrastinemos

Por estes dias fui à cabeleireira, tarefa essa que toda a mulher sabe que deve fazer de forma desocupada. Ir com pressa para o meio de tesouras, tintas e loções não existe.
Contudo, estava lá uma senhora como nunca tinha visto, coberta de inquietude. Dez minutos de espera, mesmo rodeada de revistas de lifestyle e cortes da moda, pareciam agulhas a perfurar o sofá onde estava sentada.
Também não está na minha essência esperar. É como escreveu Saramago “Não tenhamos pressa, mas não percamos tempo”. Em boa verdade, parece-me que procrastinar é que é a tendência. Tenho mais certeza quanto a isto do que em relação aos cortes de cabelo.
Quais bolas de sabão, a pairar, ao sabor do vento, pessoas e decisões baloiçam no mundo da procrastinação, em torno de uma cabeça sem tempo disponível. Esperam melhores dias e melhores momentos, numa espécie de prateleira imaginária, onde arrumamos ideias confusas e disformes.
Se já fizeram bolas de sabão, sabem bem qual é o destino delas. Algumas voam alto, e desaparecem. Outras (a maioria) acabam por esbarrar numa parede e ploft! Rebentam, espalhando gotículas de água por todo o lado. Da sua existência, resta um chão molhado, que em breve seca. E é como se nunca tivessem existido.
Deixam-se pessoas e vidas em suspenso. Adia-se e espera-se, sem parecer haver a plena noção de que, num mundo paralelo, que corre fora da nossa cabeça desorganizada, acontecem coisas, em ritmos alucinantes, às vezes. E o que faz sentido hoje, amanhã pode ser diferente. E o tal tempo quem que “há-de ser” pode nunca chegar. Pode nunca ser o dito momento, e enquanto isso mantém-se cheia a prateleira dos suspensos, que vamos revisitando de tempos a tempos, ainda que não saibamos muito bem o que queremos encontrar lá. Depois? Voltamos a colocar tudo no sítio, ainda que seja o sítio errado, diferente daquele onde estava, só para poder ficar a ganhar mais pó. Suspenso.
Sou por quem agarra o presente com veemência. Quem não tem muito tempo para esperar, porque tem pressa de viver. A seu tempo, sem pressa, mas sem muito vagares que pouco acrescentam.
Procrastinemos, pois, se assim o entendermos, mas sabendo que tudo na vida é efémero. Até a própria vida.



Publicado originalmente em: Notícias do Nordeste 


Foto: http://segredosdomundo.r7.com/wp-content/uploads/2016/10/3-20.jpg

Mestres da ilusão

Há uns dias ouvi na rádio um programa com o Luís de Matos. Parece que tem um livro, onde conta histórias sobre magia. Vêm lá muitos truques, e muitas curiosidades. Por exemplo, durante a II Guerra Mundial, um destes ardis ajudou os Aliados, ao iludir o inimigo quanto à localização de uma cidade. Os alemães acabaram por bombardear um local ermo, que acreditavam estar cheio de pessoas, só que não estava.
Estou a reproduzir esta estória de memória, assim, sem grandes pormenores, mas acho que não lhe tira mérito absolutamente nenhum. É incrível.
Quando penso em mágicos, pinto sempre uma figura com uma capa preta, de forro azul-escuro, tudo acetinado, muito brilhante. Uma varinha, não ao estilo Harry Potter, mas daquelas pretas, que parecem uma caneta de feltro, com as pontas brancas (e na escola brincávamos assim. Púnhamos duas tampinhas nas extremidades, uma roubada a outra caneta, e apontávamos à cara dos colegas, com um tom ameaçador). Tem que ter uma cartola, para sacar coelhos, cartas e flores de plástico. E, claro, tem que vestir um fato, estilo empregado de mesa, com laçarote e tudo.
Nunca acreditei, mesmo quando era miúda, que aquilo fosse verdade. É claro que tinha que haver ali um engano qualquer, uma traição ao olho. É ilusão, não magia, afinal de contas.
É que são coisas bem diferentes. A magia não tem um tom pejorativo. É algo pipilante. A ilusão, tem. Porque fica ali colado o conceito de enganar, de passar a perna. E quem gosta de se sentir enganado? Ninguém. Nunca levei nenhuma facada, mas acho que a sensação é mesmo essa, sentir aço a cortar não a nossa carne, mas a nossa integridade. A carne sara, mesmo com marca. Quanto ao resto, não posso garantir.
Nos espectáculos, o ilusionista engana-nos por nossa vontade. Estamos predispostos a que nos mintam, e ali ficamos, deliciados por estarmos a ser ludibriados, enquanto argolas de metal se entrelaçam, enquanto serpentinas saem a jorro de gargantas, pombas voam, claramente atordoadas, e amigos nossos ficam sem relógios e com cordas firmes amarradas aos pulsos.
O problema é quando damos com Houdinis da vida real. Não têm capas, chapéus largos, nem sapatos engraxados. Não têm varinhas mágicas. Mas têm como hobby chamar alguém da assistência forçada, que por ali passa, incauto. Depois, como nos desenhos animados, olham para as entranhas da pessoa, emitem ondas vermelhas através dos globos oculares, e fingem ser o que não são. Como em qualquer truque, ficamos sem saber o que está a acontecer. Ó, Deus meu, é magia! Da verdadeira!
Depois, alguém estala os dedos, e a performance termina. Era apenas uma ilusão.
Ficamos sozinhos, no centro de uma pista de circo, sem sabermos muito bem o que fomos para ali fazer nem para onde ir. Não há uma bela assistente, com um vestido de noite justo, a apontar a saída! Que disparate, mas… É magia. Foi magia. Era o Houdini, caramba!

Não era nada o Houdini. Era só um charlatão, a vender a banha da cobra. E, diz o povo, a mentira tem perna curta, e ninguém pode fingir ser o Grande Houdini quando, na verdade, não tem mais do que um truquezeco de cartas para nos mostrar, sem ases na manga para puxar.


Publicado originalmente em: Notícias do Nordeste

quarta-feira, 2 de novembro de 2016

Dosímetro

Honestamente, não me lembro de ter tido uma paixão correspondida. Se tive, venham agora, neste momento, mil cupidos enraivecidos dar-me flechadas.
Sou capaz, vagamente, de ter gostado de pessoas que gostaram de mim, ao mesmo tempo, em sintonia. Mas, como o dosímetro que mede o gostar não tem taras confiáveis, ficamos sempre no que nos parece. Se calhar às vezes gostei eu mais, outras vezes foram os outros a sentir algo que eu não sentia. Noutras ocasiões, lá no fundo, ninguém gostava de ninguém, naquilo a que eu chamo uma bebedeira de amor, na qual o que custa mesmo é a ressaca.
Ontem, no supermercado, depois daqueles bips que anunciam a voz de uma senhora operadora: “Filipa Sarmento à caixa central… ó ó…”, interrupção. Retoma: “Filipa Nascimento à caixa central”. Porra! Apelido errado! Não há, contudo, consenso sobre se desta foi de vez. Então, vem o terceiro chamado: “Filipa à caixa central”. Repare-se que o importante da questão é que a Filipa compareça. Mais de resto, quem raio fosse a Filipa a aparecer, era lucro. A Filipa, uma espécie ao acaso, era necessária. “E o que tem a ver a Filipa com esta história?”, perguntam-me.
Tudo. A Filipa é a solução para todos os amores falhados. É que parece que estamos mais preocupados em que haja alguém, do que se esse alguém é realmente válido. Por isso que andamos apinhados de relações que não sabemos muito bem o que são, se vão ser. É que, dizemos, nem queremos que sejam relações. Vão sendo, sejam o que for. Vamos tendo. O tramado é que tudo que inclua o verbo “ser” e “ter” configura uma série de questões morais, pelo menos, que convém respeitar.
Nem há, às vezes, tempo de avaliar a pessoa. Vê-se na diagonal, e chuta-se para canto. Neste Mundo, é assim. Não nos valem preciosismos. Só convém lembrar que, se escolhemos entrar na vida de alguém, é importante dizer-lhe se estivermos de saída. Estilo uma sala de pânico, em que temos que informar o compartimento, ao tocar em determinados botões, de que já não queremos mais estar ali. É só uma ajuda, quando se trata de acertar dosagens de gostar.
Não há preciosismo no dosímetro do gostar. É tudo a olho. “Ah, mas é assim que deve ser”.
É, pois, se não caírem na tentação de deixar cair açúcar demais, ou se não se esquecerem na receita no forno (as relações amorosas podem ser sempre comparadas com comida. Resulta!). O problema maior, além das dosagens mal medidas, é não deixar a “massa” levedar: demora, mas faz toda a diferença.





segunda-feira, 17 de outubro de 2016

Tradição – palavra em desuso/remodelação. Risquem o que não interessa, e façam o vosso próprio título

Está tudo de pernas para o ar. Ouçam o que vos digo. É a verdade. Custa, eu sei. Mas, é a verdade, e há que dizê-la.
A tradição? Esqueçam isso. Nada é intocável. Ainda ontem me deparei com a história do Capuchinho Vermelho toda esfarrapada. Entravam sapos à procura de princesas, o Caçador tinha uma loja com uma TV LED na parede, que passava documentários estilo BBC, a Capuchinho era muito espertinha para uma miúda de 8 anos e o Lobo Mau era roxo…
Então pensei: “Bem, se os contos infantis já foram estraçalhados pelos novos tempos, já nada mais há a perder. Acabou. Tradição – 0 x Inovação – 1.”
“Que olhos grandes que tens avó!”. Alto, pára tudo! Esta dica eu conheço. E segue o diálogo mais coisa menos coisa como contou Charles Perrault. “E esse nariz enorme, avó?”. “É para melhor cheirar o teu perfume”. “Da maneira que eu exagero, nem precisavas”. A resposta não era a que eu esperava. Fez-me rir. E isso é um ponto favorável.
Segue o filme, aproxima-se o clímax. Na casa da avó há telefone. É fixo, ao menos isso! Não há telemóveis por lá, ou assim parece. A Capuchinho liga ao Caçador. Estamos na rota, amigos!
“Não vai haver ajuda, minha menina!” – o Lobo Mau está decidido. “Olha ali atrás, os Três Porquinhos!”, garota espera, como eu vos preveni, que assim se consegue safar.
Tudo acaba em bem, como se quer, e sem cortes na barriga do Lobo Mau, que até tem direito, pelo contrário, a ajuda para curar uma indigestão, causada por alimentos “com o prazo de validade vencido”.
Este Lobo Mau roxo, que usa calças de ganga, diz, a páginas tantas, algo que me deixa a pensar: “Os Lobos também têm sentimentos.”
“Os Lobos também têm sentimentos” abre um caminho sem precedentes, onde, no final das contas, os destinados a ser maus sentem como se fossem bons. Ou menos maus. Sentem, enfim, é o que há a reter. E sentir sentimentos é algo que torna, como por pós de perlimpimpim, os maus em menos maus, quase bons, ou bons de verdade.
Esqueçam a tradição. Já não há maus. Já não há bons. Tudo porque os, à partida, vilões, sentirem sentimentos, e serem efectivamente capazes de tal feito, desequilibrou a balança, não só dos contos infantis, como da vida em geral.
Sentir sentimentos não está, contudo, ao alcance de todos. Ou não os expressam. E quando se sentem sentimentos, queremos mais é expressá-los, não é? Quem não sente sentimentos pode não ser mau, pode não ser bom. Certamente, é, sem gaguejos, menos humano.
Nesta nova versão, onde a tradição se foi, há lugar para não-humanos? Existem tais criaturas, construídas em betão e vestidas de indiferença?
A tradição garante que sim, e tinha factos suficientes para o provar. Tinha bruxas más, madrastas más, feiticeiros maus, irmãs invejosas (e más, pois). Tinha muitos, muitos que eram absolutamente p’lo mal, e que nunca se emendaram. Agora que a tradição se foi, as convicções afrouxaram.
Não sei de nada. Já não sei de nada, até porque o Lobo Mau, como vos contei, era roxo. Roxo!
A tradição foi furada, corrompida. O que faz com que, doravante, estejamos entregues aos novos tempos. E a novas descobertas.



Publicado originalmente em: http://www.noticiasdonordeste.pt/

Imagem retirada de: https://www.youtube.com/watch?v=VADdBXzXSb4

Então, mas ainda é preciso?

Não sei se, de facto, começo a ter idade para entrar na secção das encalhadas, ou se é só implicância.
Espero eu (dos refegos do meu coração) que seja normal que as moças, aparentemente, em idade casadoira, como eu, sejam constantemente bombardeadas com a pergunta, que vem, invariavelmente, das avós e das tias provenientes da Idade da Pedra, e que é a seguinte: “Então, e quando é que nos dás as amêndoas?” (aos mais novos, que estão habituados a lembranças de casamento todas XPTO, e com utilidade prática, até, recordo que, lá na Idade da Pedra, se davam amêndoas aos convidados).
Mas… mas… raios!
O que há de errado em não estar casada? É uma falta social grave? E, com quem me casaria eu? Esse retalho da estória não é relevante?
Sociedade estranha, em que temos que
juntar trapinhos logo mal possamos. Algo como “Olha! Apanhei um!”. Um Mundo de pernas para o ar este, em que há quem tenha que lutar pelo direito de não casar, enquanto outras tantas quase andam ao tabefe para que alguém lhes coloque um anel no dedo, de preferência bonito e grosso, só para que as “invejosas” possam vê-lo bem, ao longe.
Faz parte de ser mulher, isto de olhar para as nuances, ao passo que esquecemos o essencial. Por exemplo, em 2016 é uma vitória e uma algazarra (sabe-se lá porquê) que hajam sites feitos para mulheres, com posts a imitar cartas (que, penso eu, são algo como textos de opinião super carregados de emoções, que nos fazem chorar quando as hormonas andam aos pinchos) para todos os fins (“carta aos meus ex-namorados”, “carta aos namorados das minhas BFF”, “carta ao meu futuro marido”, claro está) e dicas de moda, mas muitas continuam a achar normal que um homem não se desenrascar numa casa sozinho, que diga que nunca vai mudar fraldas, e que ainda questione o tamanho da saia dela.
O feminismo invadiu a década, certamente – e ainda bem, claro – só que da forma errada. Somos diferentes, pois somos, temos corpos reais, temos período e, espantem-se, temos pêlos! Temos sites só para nós, temos revistas só para nós, temos carros considerados só para nós. Os homens também já têm maquilhagem só para eles, por isso nisso perdemos terreno. Ainda assim, temos uma catrefada de coisas só para nós, gajas emancipadas, que nem sabem a sorte que têm de o serem, e que não querem saber do que está por conquistar, porque serve o facto de temos um ramalhete de coisas só para nós, que reluzem, mas que não são ouro. E o que queremos mais? Igualdade de direitos? O fim das barbáries praticadas pelo Mundo contra as mulheres? Aparentemente, ainda é um feito enorme que haja um endereço na internet para falar de dores menstruais. E isso faz (?) toda a diferença
Não entendo. Se calhar é por estas e por outras que nos servem maridos, para termos uma vida cheia.
Sou mais feminista do que isto. Falta mexer em muitas porcelanas. Não quero um homem que me proteja dos males do Universo, porque no Mundo em que idealizo, estamos, finalmente, em pé de igualdade, e todos os machos foram educados para respeitar as fêmeas. Então, não quero precisar de protecção, e quero poder fazer o que bem entender, sem que me atirem “és mulher”, como se fosse um handicap. Não quero um homem que me ponha debaixo do braço. Quero um homem que me dê a mão, e que caminhe ao meu lado.

Quando o encontrar, provavelmente nem assim vou dar amêndoas a quem quer que seja, porque casar é caro, e, já não tivesse eu que me preocupar com o facto de ser mulher, ainda tenho que me lembrar que a crise económica não passou, e que, como contribuintes, não temos género. Por isso, ninguém se vai oferecer para pagar os meus impostos por mim, em sinal de cortesia.


Publicado originalmente em: http://www.noticiasdonordeste.pt/

sábado, 1 de outubro de 2016

(Ainda) quero mudar o Mundo

Daqui a (menos de) uma semana, completarei 27 anos, e acredito que posso mudar o Mundo.
Pela primeira vez, em mais de 3 anos como colunista, escrevo sem ironia, sem sarcasmo, sem pitada de graçola velada.
Tenho (quase) 27, e (ainda) acredito que posso mudar o Mundo.
Desde que me lembro, desde que consigo assimilar adágios populares, que ouço que “perguntar não ofende”.
Ah, que grande mentira! Perguntar ofende, perguntar é incómodo. Perguntar, sim, só o que é correcto e convém. Poderia dizer que foi isso, o querer quebrar o tabu, que me levou a ser jornalista, mas estaria a mentir. Caí no jornalismo sem querer, e, como nos melhores romances, acabei por me apaixonar perdida e irremediavelmente.
A verdade, sem que esta seja absoluta (nunca o é) e sem precisar de grandes perguntas de antemão, é que a sociedade está podre. Ou, sendo menos exagerada, até porque tenho (quase) 27 anos, e (ainda) acredito que posso mudar o Mundo, é que algo na sociedade está bafiento.
Os mesmos que batiam no peito, que comentavam no café e diziam ser “Charlie” são os mesmos que não têm grandes problemas na hora de pedir favores que calam. Os mesmos que não acham cartoons ofensivos, acabrunham-se com perguntas, ou com as respostas que não querem dar. Não disparam armas, mas não têm problemas com mordaças mais ou menos reais, quando se trata de servir o bem-comum, que, em boa verdade, serve é meia dúzia de pessoas. Pergunto-me o que aconteceria se estas pessoas fossem visadas pela ponta inofensiva de um lápis. Um lápis e uma folha, iguais aos usados numa mesa de escola, e com a liberdade de que goza uma criança (talvez já nem elas a gozem). Iriam respeitar a dita liberdade de expressão, ou mover céus e terra, para que os demais não pudessem ver através dos olhos de outros? Bom, adivinhem… Não é difícil. E, ressalve-se que ver com os olhos de outros não é necessariamente mudar ideologias e posturas. É antes dar o livre arbítrio de pensarmos pelas nossas cabeças, um direito que nos é roubado tão descaradamente, que passamos a achar que é normal não o termos.
Quanto mais escavamos na sociedade, quantas mais perguntas (sem respostas) fazemos, mais percebemos que algo está mal, e que toda a gente parece acomoda com isso, com a linha recta que nos traçam na frente no nariz. Ver com os olhos de outros não é permitido, até porque o ideal é que não se veja nada. No escuro, tudo parece imaculado.
“Há duas forças de unem os Homens: medo e interesse”, disse Napoleão Bonaparte. Continua actual, assustadoramente actual.
Por favor, não façam com que eu deixe de acreditar na rectidão, na verdade, na liberdade em que nasci, na qual e com a qual fui criada. Não façam com que precise de ter medo de querer fazer perguntas, e de querer pensar, sempre, pela minha própria cabeça.
Imploro-vos. É que, sabem, eu tenho (quase) 27 anos, e (ainda) acredito que posso mudar o Mundo.



Publicado originalmente em: http://www.noticiasdonordeste.pt/2016/10/ainda-quero-mudar-o-mundo.html

terça-feira, 13 de setembro de 2016

Oportunistas, não, com sentido de oportunidade, sempre

“Não, não, não!”
Mil vezes “não”, gritado, estripado, malfadado, mas, sobretudo, sem sentido.
Às vezes, é preciso reconhecer que perdemos, que “não dá mais” (tantas supostas citações apenas em quatro linhas de texto, ãh?). Ou, mais simples ainda, usar de algum bom senso e amor-próprio, e virar costas.
É que, solenemente, se há coisa que mescla a irritação extrema com a pena desmesurada é a falta de sentido de oportunidade. E se há coisas que todos deveríamos não quer causar em alguém são, justamente, irritação e pena.
Vou contar-vos uma estória, uma que poderia ter acontecido a qualquer um de nós, ou que talvez nunca tenha acontecido, somente porque ninguém admitiria que passou por algo assim.
Bom, então, nesta estória há uma rapariga minimamente interessante. Vira as suas atenções para um rapaz. Ela, oportunista de sentimentos, de olho grande à procura de uma vítima que lhe massaje o ego, tenta mandar nele, mudá-lo. Acha, até, a pobre coitada, que ele daria a volta ao mundo descalço por ela. Ele, esperto, começa a perceber que, se calhar aquele “interessante” com que a catalogou no início é fraquinho, é daquelas pessoas que, no final das contas, nos obriga a gargalhar forçadamente, porque não tem tanta graça assim. Ele tem sentido de oportunidade, e vai embora.
Ela, atarantada com as sucessivas negas, continua a insistir, agindo ainda exactamente com o mesmo jeito, as mesmas palavras, que antes até eram estimulantes, mas que agora são um anticlímax para a vida em geral. Tivesse ela sentido de oportunidade, poupar-se-ia a tanta coisa.
Nos filmes é sempre assim, nas comédias românticas. Há sempre um bibelô que não percebe que está a mais. Não sei se há assim tanta gente que nunca viu comédias românticas, para que não atinja que está a fazer figura de urso.
O amor, o entrosamento, a química – não vale a pena pedinchar, insistir, rastejar. Não vai nascer ao décimo convite para jantar, ou à milésima insinuação.
Às vezes, simplesmente, tudo se dissipa, e seguem-se caminhos separados.

“Não era mais fácil dizer directamente?”, podem perguntar. Se calhar, era. Mas, se verbalizássemos tudo, estaríamos a desperdiçar uma série de faculdades que é necessário treinar. 



segunda-feira, 29 de agosto de 2016

O Amor é bonito


Todas as estórias de Amor que conheço são bonitas.
Não há uma única estória de Amor que não tenha sido bonita, ainda que ao de leve.
Se não foi bonita, se foi doentia, se fez sofrer, então, não era Amor.
Porque o Amor foi criado para ser bonito. Tem que ser bonito, porque foi assim que foi definido. É o que vem escrito nas informações de “como usar”, que deve ser bonito.
Dentre essas histórias que conheço, do Amor que é bonito, lembrei-me de uma que envolve um casal que já se conheceu no chamado “meio tempo”. Depois de duas vidas em comum, com outras duas pessoas, quis o destino que calhassem juntos eles os dois, feitas as devidas contas de subtrair.
Posteriormente, creio, foi sempre a somar. Ela foi para a Alemanha, onde tinha vida. Ele foi atrás, mesmo sem saber muito bem o que ia para lá fazer, sem dominar a língua, tão-pouco. Mas tinha uma certeza – o Amor é bonito, aquele Amor era bonito, e não era a feiura da dificuldade que o iria apagar. Digam-me, isto não é, simplesmente, bonito?
O Amor é bonito porque nos faz acreditar, nos torna fortes e nos tira os medos. O Amor puro e desinteressado é bonito.
Não quero acreditar num Amor que não seja bonito. Proíbam já, neste momento, que qualquer um devasse o nome do Amor, ao dizer que ele não é bonito. É que o Amor é um inocente, que precisa de ser defendido dos vis pecados carniceiros dos reles humanos, daqueles que não sabem amar. Daqueles que, pobres coitados, não perceberam ainda que o Amor é bonito.
Vou continuar a acreditar que o Amor é bonito, que foi feito para ser bonito, que só pode ser bonito.

E se um dia a feiura da dificuldade turvar a minha visão, qual serpente do Paraíso, vou fechar os olhos e pensar no Amor – naquele que é bonito.


https://www.youtube.com/watch?v=TVQbyRZ_euQ

segunda-feira, 20 de junho de 2016

Acção-reacção

Um dos males de ir envelhecendo é perceber que nenhuma acção pode ficar isenta de uma reacção. Não é bem um “efeito borboleta”, nem karma, nem azar.
É, simplesmente, uma consequência do que escolhemos em momentos determinados. E não há a hipótese do banho-maria, do “nem carne nem peixe”. É assim. Trigo limpo, farinha Amparo.
Quando há crimes bárbaros, com sangue a espichar por todo o lado, há sempre uma alminha que diz, com toda a naturalidade: “são maus momentos. Momentos do diabo.”
Maus momentos, tecidos pelo mal encarnado, que têm o poder de mudar para sempre muitas vidas.
Não costumo matar pessoas, pelo menos no sentido real da palavra. Posso, eventualmente, assumir as culpas por alguns homicídios latos, de corpos que permanecem, garanto, em actividade. Por isso, nunca mudei vidas de forma tão drástica. Mas, certamente, terei mudado a min
ha vida imensas vezes. Nem sempre por querer, ou determinar.
Tenho em crer, aliás, que nenhum de nós muda o curso de vida porque quer. Há quem diga, por aí à boca cheia, que toma decisões racionais, ponderadas.
É mentira. Pura mentira.
Ninguém toma atitude que seja sem que haja uma pauta emocional. Somos unos: cérebro e coração. E o malvado do segundo protagonista fala alto para caramba.
Ou, quiçá, pense assim porque sou mulher. As mulheres são muito mais do factor sentimental, não são? Ainda no outro dia me disseram “para vender alguma coisa numa decisão em casal, basta que a mulher diga que goste, que é bonito. Está vendido.”. Ou seja, que se lixe o lado lógico da coisa, o que importa é que fale ao coração.
Ainda assim, voltando ao tema central, certo é que toda a atitude gera uma consequência. E isso às vezes é mau, pois, assumo sem o dramatismo que incuti linhas acima. Mas o raio da culpa é da idade. Porque quando temos idade para ter juízo, já ninguém vai desvalorizar uma mão arisca ou uma palavra mal dada. Não somos miúdos do pré-escolar, que estão a aprender onde estão os limites. Quando temos certa e determinada idade, devíamos saber que esta vida é rodeada de cercas electrificadas, e que, quem não quer levar um valente choque, não estica demasiado o sim-senhor.
No final das contas, mesmo quando devíamos estar mais maduros, e saber que agir sem pensar pode ter consequências irrevogáveis, pensamos sempre, sempre, sempre assim: “que se lixe! Não quero saber!”.
E…lá vamos nós.
Às vezes faz doer, às vezes dói, às vezes porra nenhuma.
Um acto. Uma consequência. Temos que aprender a lidar com isso, mesmo quando os “momentos do diabo” não colmataram num derradeiro crime.
O que não quer dizer que não nos recriminemos.  
Certa vez, encontrei um gato meigo na rua. Amarelo e branco, com os olhos verdes. Andava por ali na rua, a miar, despertando em mim a vontade de o levar para casa. No meio de alguns olhares desentendidos e muitas tentativas de fuga, levei o bichano comigo, debaixo de um braço. Dei-lhe uma lata de atum, limpei-lhe o óleo do pêlo com uma toalhita húmida, e deixei-o andar por ali.
Sou alérgica a gatos, por isso fiquei cheia de conjuntivite; o gato queria era estar na rua, até porque tinha casa, e não sabia usar a caixinha da areia; acabei por devolvê-lo ao local onde o encontrei.
Moral da história: Nem sempre tomar uma atitude é a melhor opção, tendo em conta os possíveis desfechos; nada, por melhor ou mais bem-intencionado que nos possa parecer, passa incólume ao crivo. Na dúvida, fique quieto: pode não ser bom, mas, pelo menos, não vai haver retaliação.

Foto: http://i.telegraph.co.uk/multimedia/archive/02572/boomerangNEW_2572230c.jpg



sexta-feira, 17 de junho de 2016

Ciúme, eu? Não! Mas que sejam muito felizes, juntinhos


Tenho uma velha máxima, tão velha quanto a minha maturidade permite, e que versa assim: quando se tem ciúme, está na hora de virar costas, e fechar a tasca.
Ora, porque digo eu que quando sentimos ciúme de alguém – ciúme, aquela picada no coração, qual efeito montanha-russa, e que provoca instintos assassinos; não aquele sentimento descabido de possessão – é sinal que estamos apanhadinhos. E estar apanhadinho nunca é bom. Até porque, em boa verdade, já ninguém quer andar por aí apanhadinho. Não é da moda, nem há tempo para gostar assim.
Por isso, podemos ir estando com uma pessoa, e mentir a nós mesmos, aos amigos, e, por favor, ao objecto da nossa paixão, a quem vamos, copiosamente, negar qualquer tipo de sentimento que ultrapasse o mero físico.
Temos saudades de estar juntos? Pois temos. Mas, não dizemos. Ficamos nervosos e ansiosos antes dos encontros marcados? Claramente, só que, em boa verdade, quem precisa de saber? Andamos bem-humorados e radiantes? Vê-se à légua, e a culpa…é do tempo, que está a melhorar.
Vamos fingir que gostamos de conchinhas, mimos e olhares melosos. Fingir, sim, porque é como que se não gostássemos. Ninguém do grupo dos “maus”, dos durões, dos “só sexo” gosta dessas coisas amorosas, e somente estúpidas.
Falamos da jeitosa da vizinha do andar de baixo, com quem nos cruzámos uma ocasião à entrada do prédio. Falamos do ex-namorado que teima em dar notícias e lembrar que “fomos tão felizes”. Falamos, e reprimimos o orgulho tonto por agora sermos nós ali, num lugar que, temos a certeza, é cobiçado por metade do universo.
E chega o dia, o malfadado dia, em que sentimos que o outro cede, que sorri demasiado, que, afinal, não quer só a nossa companhia. E fingimos novamente. Fazemos de conta que não nos afecta, que não queremos dar bofetadas na cara alheia, que, “de qualquer das formas, ainda que isto não foi mais avante”, e, o mais do que lógico, “eu sempre soube que isto não era para ser nada sério”.
Sentimos ciúme, Amuamos como crianças, sentadas à beira de uma caixa de areia num parque infantil. Tiraram-nos o escorrega, deixámos cair o chupa-chupa em cheio na dita areia, que depressa se agarrou, ao ponto de o tornar inconsumível.
E continuamos enciumados. E sozinhos, porque não vamos admitir que tudo não passa de uma crise de dor de cotovelo. Seguimos caminhos opostos, somente porque nunca teremos a coragem de assumir o quanto gostamos. Que gostamos, imagine-se, ao ponto de sentirmos ciúme.


quarta-feira, 8 de junho de 2016

Como engatar (ou, pelo menos, não parecer um atrasado mental)

Estamos no século XXI, a era que, quero crer, foi sonhada para ser de igualdade entre géneros, de diferenças que se esbatem nas semelhanças cerebrais, da genialidade do entendimento entre pessoas.
Mas, alguém falhou, redondamente, essa emenda.
Ora, assim sendo, sinto uma necessidade atroz de explicar, particularmente aos homens, aquilo que fazem que irrita solenemente uma mulher, e que, por certo, vai fazer a caça levantar voo. E, claro está, um pássaro só por muita coincidência voltará a pousar com o mesmo vagar no mesmo galho.

Exkrever portuguex – parecendo que não, é essencial para a comunicação. E para parecer que se terminou o 1º ciclo com sucesso.

Abordagens como “olá linda” – é uma estirpe que não consigo qualificar. A não ser que se trate de um nome próprio, e tenham dificuldade em escrever nomes próprios com maiúscula, não digam isso, assim, à papo-seco. É uma entrada a pés juntos. Com direito a cartão. Já para não dizer que é típico de quem ficou preso em 2005, em plena geração Yorn, quando começámos a ter SMS grátis, e dizíamos coisas parvas, sem pensar.

“Então, que fazes?”, ou a variante “então o que fazes da vida?” – se não conhecem a pessoa em questão, pode não ser propriamente a maneira mais fácil de quebrar o gelo. Haja tacto. E haja expectativa de não obter resposta.

Frases rudes e de teor sexual – pelos motivos óbvios. A não ser que tenham vestida uma gabardina sem nada por baixo.

Fotos de genitais – pelos mesmos motivos óbvios.

“Ah, o teu namorado…” – poupem-nos, e perguntem directamente.

“Vi-te no Facebook, e mandei-te um pedido de amizade, porque te achei gira” – a mim, e a mais 20 miúdas. Sem credibilidade. Já agora, façam o que fizerem, NÃO tentem dar corda a mulheres que possam, por eventualidade, falar entre si. Se há coisa que as mulheres fazem, é falar. Sobre tudo! E por isso, vão arranjar corda, sim, mas para um enforcamento à patrão.

Marcação cerrada – ligo já para a GNR, ou…

Demasiado contacto físico – toques na mão, toques na perna, toques na cara, no cabelo… Parecem só tarados. Não é sexy.

Falar somente sobre si mesmo – Narciso, és tu?

Pessoas que tentam embebedar as “presas” – alguém inteligente, aceita um copo à borla, e vem embora.

Convidar para jantar ou para um café, porque acham que é um passaporte para o “coração” - Não, não é. Ou têm conversa, ou nada feito.


Em suma, o importante é ser normal, não cheirar a Old Spice, e ir de peito à bala. Sem muitos truques, nem manias.

Foto: https://c2.staticflickr.com/2/1136/924177229_47a5d0d3b7_z.jpg?zz=1



Publicado originalmente em: Notícias do Nordeste

quarta-feira, 27 de abril de 2016


Prefiro um bom gin do que um bom beijo. Prefiro ver tudo a andar à roda por culpa de uma grade de cerveja do que por causa de um olhar intenso. Prefiro sentir as pernas a tremer depois de emborcar cinco shots de tequila do que depois de um orgasmo.

Em suma, é preferível estar bêbedo do que apaixonado. Até porque o álcool intoxica o corpo umas horas. A paixão não se mata assim, com um Guronsan e uma coca-cola com uma rodela de limão.
A paixão embebeda a alma, e transforma-a numa alcoólica. Dá-lhe de beber todos os dias, desconfio que por viver numa festa constante. 
Se a festa acabar, fica a dolorosa ressaca. 
Em última análise, a culpa disto tudo é de Deus.
Sim, de Deus. Durante a noite, muito se evoca o Seu nome. Mas ele não vem, dizer de Sua justiça.
No dia a seguir, há a vontade comum de comprar uma lata de spray e pintar numa igreja “Deus, onde é que tu estavas quando dormi com ele?”
Não às paixões ébrias! Sim ao álcool pelo álcool!


Foto de: Liliana Cardoso

segunda-feira, 22 de fevereiro de 2016

A fina arte de ignorar

A fina arte de ignorar não está acessível ao comum dos mortais.
Ignorar, alguém ou alguma coisa, requer requinte, q.b de malvadez e um exagero de bem-resolvido.
O mais comum, quando alguém resolver aplicar o ignoranço, passa, simplesmente, a parecer a minha afilhada, que tem quase dois anos, e que, por isso, está na altura das birras: faz de conta de que não vê, que não ouve, que não entende, mas, na realidade, só quer é irritar a malta. Ora, se o objectivo é levar uma sapatada, está no bom caminho.

Se não era isso que tinha em mente, desista, porque tudo o que está a fazer é incitar o outro a ser mais persistente – como quando vemos um amigo, ao longe, e ficamos a acenar, por detrás de um vidro, num sítio onde está muita gente, que olha para nós com ar de pena e desprezo. Temos que ser mais criativos, abanicar os braços de forma mais persistente, pedir a um conhecido, que toca no braço de outro conhecido, que por sua vez é amigo de um primo que está emigrado em França, mas que vem cá nas férias grandes. Até que, chegamos ao ponto, ao epicentro da acção. E, nem que tudo o que consigamos seja um leve abanar de cabeça (normalmente, para a esquerda e para a direita), já conseguimos corromper o “vou ignorar-te para todo o sempre”. Missão cumprida.

Ignorar alguém não pode parecer forçado. Não pode ser como nas comédias românticas - “ri-te como se eu tivesse acabado de contar uma piada super engraçada” e “ah, nem te tinha visto!”.

Tentar ignorar em demasia também não dá bom resultado. O fazer de conta que há uma pessoa invisível ou que um assunto não nos incomoda, e então vamos andando, uma passarela, a sacudir os cabelos calorosamente. É que assim toda a gente vai perceber que estamos fulos.

Agora isto das redes sociais trouxe outra tormenta – temos de seleccionar muito bem onde damos like ou naquilo que partilhamos. Querendo ignorar alguém, certifique-se que nunca, mas nunca mesmo, coloca “gosto” num post onde conste o nome dessa pessoa – dê lá para onde der, nem que o visado tenha uma foto maravilhosa numas férias alucinantes. Bom, o mesmo se aplica à escolha de conteúdos que queremos mostrar aos nossos amigos. Sempre a ignorar, internet afora. E, tamanho é o esforço, que a incumbência acaba por não ser bem-sucedida na mesma.

O mais complicado nisto do ignoranço, é quando não conseguimos mesmo ignorar. Queremos ignorar uma pessoa, mas estamos sempre a vigiá-la pelo canto do olho. Estamos nem aí para o fulano de tal, que disse ou fez alguma coisa, mas estamos sempre a bater no ceguinho, na mesa do café ou por SMS. Ou seja, um completo afundanço.  

O melhor ignoranço é o genuíno – esquecemo-nos simplesmente de alguém ou de algo, porque não nos afecta. Tudo o resto, claro está, não está em situação de ser ignorado.

Publicado originalmente em: Notícias do Nordeste




terça-feira, 16 de fevereiro de 2016

Amar num tamanho 38

Uma época em que cada vez mais surgem movimentos que tentam provar que as mentalidades estão mudadas quanto aos estereótipos sobre o corpo e em que ser diferente não faz mal, questiono-me quanto ao lado prático da questão. 

É que falar e partilhar vídeos do Youtube é muito fácil. O difícil mesmo é fazer realmente as pessoas sentirem-se bem como são. Sim – fazer com que elas se sintam. Isto porque elas até podem estar na boa com o seu físico, mas há sempre quem teime, por vezes sem querer, em incutir um espírito de “not good enough”. 

Recordo-me de uma paixão arrebatadora que vivi (e que, logicamente, como vão perceber porquê, durou apenas um mês e meio) em que também fui confrontada com o facto de “ter que ser uma miúda à altura” de quem faz ginásio e come muita alface, assim como ter descoberto que pareço bonita “às vezes” nas fotos do Facebook”, ao passo que outras vezes sou “esquisita”. Por segundos ainda acreditei que era vital para a minha existência vestir um 32 de calças e ir à depilação semanalmente. Foram longos segundos, até que o meu cérebro me disse que ambos estávamos a avaliar mal a situação, porque há mais pessoas no mundo – umas irão servir para satisfazer os requisitos dele e outras irão gostar de mim tal como sou. 

E esta é uma lição de vida que levo. As pessoas são como são, e se eu não gosto não tenho que fazer por gostar ou, pior, dizer ao outro como queria que ele fosse. Ser egoísta às vezes é bom, mas não nestes casos. 

É que é errado achar que tem que toda a gente tem de se encaixar nos nossos padrões, ou nós nos dos outros. Assim como é errado achar que a “amiga gorda” não pode ir para casa com o rapaz mais bonito da festa, e que o “bexigoso” não pode ser super fixe e bonito. Mas o pior mesmo é que os visados se vejam com esses rótulos quando se olham ao espelho. 

O problema? É que achamos que não somos tão bons quanto o resto da humanidade. O melhor exemplo é um dos tais vídeos de que falo linhas acima, e em foram filmadas as reacções de vários estudantes enquanto lhes diziam “acho-te bonito/a”. Muitos sorriram, a maioria não acreditou e alguns foram agressivos até. 

A norma não deveria ser a surpresa estampada no rosto, porque alguém deveria ter dito antes “és bonito/a”. A norma deveria ser poder enfrentar o mundo com confiança, sem ter nas costas o peso de, eventualmente, “not good enough”. E hoje, em consciência, acho que amar e ser amado num tamanho 38 é tão fixe quanto num tamanho 32 – somente porque todos somos bons o suficiente.

Publicado originalmente em: Notícias do Nordeste

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O que eu gostava que dissessem sobre mim

Tenho a ideia, por diversas conversas mantidas com elementos do sexo oposto, que os homens consideram que é muito complicado agradar no amor. Por isso, tomei a liberdade de encenar uma carta de amor, ou melhor, uma declaração própria para publicar as redes sociais ou para escrever um diário fechado a sete chaves, que hoje em dia é quase a mesma coisa. 

Na minha modesta opinião, se a mim fosse dirigida uma dessas missivas, gostava que fosse assim:
 “Ela chega, e o chão começa a amolecer. Afinal, com ela descobri que o mundo é feito de manteiga, e ela tem a temperatura certa para a derreter. Olha o mundo de frente, mas não me olha a mim de frente. Quero acreditar que não consegue, que luta contra os seus instintos para não o fazer, para que eu não veja o doce nuns olhos que querem ser duros.

Ela chega, e o ar fica pesado. O que hei-de fazer, quando todo o meu corpo me diz que preciso de lhe tocar, nem que seja para ver se tem as mãos frias, e confirmar que estão tão frias como as minhas? O toque… Evito para que não perceba a felicidade da minha pele ao sentir a dela.

Ela chega, e sei que lhe quero falar. Não tenho nada para lhe dizer. Ou talvez tenha. Tenho tanto para lhe contar. Tudo para lhe contar. Nem que o tudo seja nada, e que falemos sobre o sabor das pastilhas elásticas do Jorge Jesus, ela vai ouvir-me. Eu sei que sim. Mas, não vou falar. É demasiado complicado falar com alguém que se está a beijar languidamente em pensamento. 

Ela é mais do que eu queria, e, por isso, não posso ter. Não quero ter. Não posso. Não quero. Tanto faz. É que ela nunca tem medo, sabe o que quer, e eu…só a queria a ela. 

Ela aparece, e começo a ouvir uma música de fundo. Não sei que música é, porque, quem sabe, talvez nem haja nenhuma e seja só o som da voz dela. É música, falar com ela. Ouvi-la. Fazê-la falar é uma delícia. Ó se é. 

Ela chega, e tenho de olhar para ela. Ver se está inteira, tal como a minha memória a perpetrou. Está sempre melhor, mais real, com um dado novo para acrescentar na minha cabeça.

Ela gosta de coisas que eu nunca gostaria. Eu gosto de coisa que ela deve detestar. Mas somos tão iguais. Curioso, ver compatibilidades nas diferenças. Ou, melhor, possibilidades nas diferenças.

E, quando ela vai embora? Lembro-me que não lhe falei, que não olhei o suficiente, que não ouvi que bastasse. Não sei se fico triste, se me falta algo ou não. Não penso sobre isso. Porque sei que, em algum lado, alguém já conspira para que ela não fuja da minha vida. Nunca mais.” 

Estão a ver? É simples…

Publicado originalmente em: Notícias do Nordeste

Foto: http://leitecondensadoascolheradas.blogspot.pt/2009/11/o-amor-e-algo-muito-kitsch-e-foleiro.html

A ressaca do amor

Para os mais incautos, recordo que no domingo foi Dia de São Valentim. Digo para os mais incautos, porque ter-me-ia também a mim passado despercebido não fossem as redes sociais, onde vi jantares, almoços, prendas das caras, fotos de casais a arrulhar e até pedidos de casamento.

Bom, apesar de não ter nada de wow! para partilhar sobre este dia (até porque acho que ninguém quer ver fotografias minhas com meias grossas e um cobertor enrolado, a fazer de iglu, enquanto vejo televisão), o que mais me deixa feliz é que no dia seguinte não tive de ouvir os relatos exaustivos sobre “o quão maravilhoso foi o dia”. Ou não. Haverá sempre o que apontar.

O dia seguinte, a ressaca do dia do amor, é do pior que podem fazer aos solteiros, ou àquelas pessoas cuja existência numa relação não incluiu surpresas espectaculares e viagem de sonho.

“E depois ele deu-me uma rosa, pegou com a mão esquerda, depois com a direita, fez de conta que não ma ia dar, mas ...!... o que é que é istooooo! Fez um truque, esticou a mão e… deu-ma! DEUUUUU-MAAAAAAAA!!!!!!”. É que, ena pá, não é preciso, a sério.

Houve quem, por motivos que desconheço, não tenha partilhado no próprio dia as imagens deste acontecimento glorioso. Então guardou para segunda-feira todas as emoções. E as redes sociais estagnaram, quero crer porque é difícil avançar num campo informático coberto de mel. É que o mel cola, e pode estragar as coisas.

Não tenho nada contra o amor e quem se ama, juro que não, e sem fazer figas atrás das costas. Acho muito bem que se viva o amor, dentro e fora do Dia dos Namorados. Só não acho bem que tenhamos de acompanhar em direto ou em diferido (os “tais” casos do the day after) as maluquices que se fazem no 14 de Fevereiro, em nome do amor.

Também foi dia, e nos seguintes, de os solteiros e em casos semelhantes, expressarem que o que é bom é andar na gandaia, sem compromissos e com a carteira mais recheada (é que se gasta muito, avaliando comes e bebes, prendas, roupas e mega produções para a intimidade). Houve quem aproveitasse, até, para mandar umas bocas foleiras sobre “podíamos ser nós, só que não vai acontecer por mais anos que vivas.”

Eu, pessoalmente, e como já disse acima, não tenho nada para partilhar. Talvez esteja só ressabiada, mas posso estar também a salvar vidas. É que, pensem nisto: o tal São Valentim foi mártir. Morreu por causas ligadas ao amor dos outros. Então, se para haver este dia já houve uma morte, justifica-se continuar a martirizar os amigos, conhecidos ou meros transeuntes com corações e cenas vermelhas? É pá, guardem a palavra “surpresa!” para o final da bola, que o campeonato sim, está emocionante.

Publicado originalmente em: Notícias do Nordeste