“Mas tás parva, mulher?”, pergunta um bocadinho de mim.
“Olha, se calhar até estou, sei lá.”, e o outro bocadinho vai embora, chateado.
Outro bocadinho já tinha saído meia hora antes da acesa
discussão, para comprar pão, e outro bocadinho continua enroscado num canto, a
ler um livro, ignorando tudo o resto.
Outro bocadinho ainda não acordou, porque chegou tarde a
casa. E outro bocadinho nem dormiu, porque tem tido muito que fazer.
Outro bocadinho está, neste momento em que vos escrevo, a
fazer as malas, porque quer viajar. E outro está a trabalhar, que alguém tem de
ganhar dinheiro!
Isto podia ser simples, como acontece os filmes de animação,
ou há uns anos num anúncio de iogurtes (“Brigadeiro engorda, brigadeiro não!”).
Ou seja, um anjo e um diabo. Um lado bom e um lado mau, como que se a nossa
alma estivesse dividida em dois hemisférios, que se digladiam de manhã à noite.
Na vida real, não é assim. No nosso mundo somos mais
pessoanos. Porquê estar dividido em bom e mau, se somos, de facto, muitos? E
não necessariamente bons ou maus.
Podemos ter um anjo e um diabo, algures, a fazer cócegas nos
refegos da alma. No entanto, temos outra parte que não quer saber de nada
daquilo, a parte distraída, que nunca sabe de nada, a parte “tu é que sabes”, a
parte festeira, a soturna, a chateada/revoltada, a alegre, a que chora nos
casamentos, e a que usa botas com biqueiras de aço.
Temos partes. Muitas. Assim é que é.
Somos seres heterogéneos por dentro, que se materializam num
ser homogéneo por fora. Por isso dizemos, na rua “olha, é fulano de tal”. Mas,
muitas vezes não sabemos mais nada daquela pessoa, porque não lhe conhecemos o
interior.
Classificar as pessoas como “boas” ou “más” é muito
limitador. Deve ser por isso que o ser humano é tão fascinante.
Aqui por dentro temos bocadinhos à solta. Manifs
adivinham-se todos os dias, e as decisões vão a votação (por isso é que às
vezes demoram).
Um dia tenho de marcar uma reunião geral com esta malta,
para por alguma ordem!
Sem comentários:
Enviar um comentário