terça-feira, 16 de fevereiro de 2016

O que eu gostava que dissessem sobre mim

Tenho a ideia, por diversas conversas mantidas com elementos do sexo oposto, que os homens consideram que é muito complicado agradar no amor. Por isso, tomei a liberdade de encenar uma carta de amor, ou melhor, uma declaração própria para publicar as redes sociais ou para escrever um diário fechado a sete chaves, que hoje em dia é quase a mesma coisa. 

Na minha modesta opinião, se a mim fosse dirigida uma dessas missivas, gostava que fosse assim:
 “Ela chega, e o chão começa a amolecer. Afinal, com ela descobri que o mundo é feito de manteiga, e ela tem a temperatura certa para a derreter. Olha o mundo de frente, mas não me olha a mim de frente. Quero acreditar que não consegue, que luta contra os seus instintos para não o fazer, para que eu não veja o doce nuns olhos que querem ser duros.

Ela chega, e o ar fica pesado. O que hei-de fazer, quando todo o meu corpo me diz que preciso de lhe tocar, nem que seja para ver se tem as mãos frias, e confirmar que estão tão frias como as minhas? O toque… Evito para que não perceba a felicidade da minha pele ao sentir a dela.

Ela chega, e sei que lhe quero falar. Não tenho nada para lhe dizer. Ou talvez tenha. Tenho tanto para lhe contar. Tudo para lhe contar. Nem que o tudo seja nada, e que falemos sobre o sabor das pastilhas elásticas do Jorge Jesus, ela vai ouvir-me. Eu sei que sim. Mas, não vou falar. É demasiado complicado falar com alguém que se está a beijar languidamente em pensamento. 

Ela é mais do que eu queria, e, por isso, não posso ter. Não quero ter. Não posso. Não quero. Tanto faz. É que ela nunca tem medo, sabe o que quer, e eu…só a queria a ela. 

Ela aparece, e começo a ouvir uma música de fundo. Não sei que música é, porque, quem sabe, talvez nem haja nenhuma e seja só o som da voz dela. É música, falar com ela. Ouvi-la. Fazê-la falar é uma delícia. Ó se é. 

Ela chega, e tenho de olhar para ela. Ver se está inteira, tal como a minha memória a perpetrou. Está sempre melhor, mais real, com um dado novo para acrescentar na minha cabeça.

Ela gosta de coisas que eu nunca gostaria. Eu gosto de coisa que ela deve detestar. Mas somos tão iguais. Curioso, ver compatibilidades nas diferenças. Ou, melhor, possibilidades nas diferenças.

E, quando ela vai embora? Lembro-me que não lhe falei, que não olhei o suficiente, que não ouvi que bastasse. Não sei se fico triste, se me falta algo ou não. Não penso sobre isso. Porque sei que, em algum lado, alguém já conspira para que ela não fuja da minha vida. Nunca mais.” 

Estão a ver? É simples…

Publicado originalmente em: Notícias do Nordeste

Foto: http://leitecondensadoascolheradas.blogspot.pt/2009/11/o-amor-e-algo-muito-kitsch-e-foleiro.html

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