segunda-feira, 14 de novembro de 2016

Mestres da ilusão

Há uns dias ouvi na rádio um programa com o Luís de Matos. Parece que tem um livro, onde conta histórias sobre magia. Vêm lá muitos truques, e muitas curiosidades. Por exemplo, durante a II Guerra Mundial, um destes ardis ajudou os Aliados, ao iludir o inimigo quanto à localização de uma cidade. Os alemães acabaram por bombardear um local ermo, que acreditavam estar cheio de pessoas, só que não estava.
Estou a reproduzir esta estória de memória, assim, sem grandes pormenores, mas acho que não lhe tira mérito absolutamente nenhum. É incrível.
Quando penso em mágicos, pinto sempre uma figura com uma capa preta, de forro azul-escuro, tudo acetinado, muito brilhante. Uma varinha, não ao estilo Harry Potter, mas daquelas pretas, que parecem uma caneta de feltro, com as pontas brancas (e na escola brincávamos assim. Púnhamos duas tampinhas nas extremidades, uma roubada a outra caneta, e apontávamos à cara dos colegas, com um tom ameaçador). Tem que ter uma cartola, para sacar coelhos, cartas e flores de plástico. E, claro, tem que vestir um fato, estilo empregado de mesa, com laçarote e tudo.
Nunca acreditei, mesmo quando era miúda, que aquilo fosse verdade. É claro que tinha que haver ali um engano qualquer, uma traição ao olho. É ilusão, não magia, afinal de contas.
É que são coisas bem diferentes. A magia não tem um tom pejorativo. É algo pipilante. A ilusão, tem. Porque fica ali colado o conceito de enganar, de passar a perna. E quem gosta de se sentir enganado? Ninguém. Nunca levei nenhuma facada, mas acho que a sensação é mesmo essa, sentir aço a cortar não a nossa carne, mas a nossa integridade. A carne sara, mesmo com marca. Quanto ao resto, não posso garantir.
Nos espectáculos, o ilusionista engana-nos por nossa vontade. Estamos predispostos a que nos mintam, e ali ficamos, deliciados por estarmos a ser ludibriados, enquanto argolas de metal se entrelaçam, enquanto serpentinas saem a jorro de gargantas, pombas voam, claramente atordoadas, e amigos nossos ficam sem relógios e com cordas firmes amarradas aos pulsos.
O problema é quando damos com Houdinis da vida real. Não têm capas, chapéus largos, nem sapatos engraxados. Não têm varinhas mágicas. Mas têm como hobby chamar alguém da assistência forçada, que por ali passa, incauto. Depois, como nos desenhos animados, olham para as entranhas da pessoa, emitem ondas vermelhas através dos globos oculares, e fingem ser o que não são. Como em qualquer truque, ficamos sem saber o que está a acontecer. Ó, Deus meu, é magia! Da verdadeira!
Depois, alguém estala os dedos, e a performance termina. Era apenas uma ilusão.
Ficamos sozinhos, no centro de uma pista de circo, sem sabermos muito bem o que fomos para ali fazer nem para onde ir. Não há uma bela assistente, com um vestido de noite justo, a apontar a saída! Que disparate, mas… É magia. Foi magia. Era o Houdini, caramba!

Não era nada o Houdini. Era só um charlatão, a vender a banha da cobra. E, diz o povo, a mentira tem perna curta, e ninguém pode fingir ser o Grande Houdini quando, na verdade, não tem mais do que um truquezeco de cartas para nos mostrar, sem ases na manga para puxar.


Publicado originalmente em: Notícias do Nordeste

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