Há uns dias ouvi na rádio um
programa com o Luís de Matos. Parece que tem um livro, onde conta histórias
sobre magia. Vêm lá muitos truques, e muitas curiosidades. Por exemplo, durante
a II Guerra Mundial, um destes ardis ajudou os Aliados, ao iludir o inimigo
quanto à localização de uma cidade. Os alemães acabaram por bombardear um local
ermo, que acreditavam estar cheio de pessoas, só que não estava.
Estou a reproduzir esta estória
de memória, assim, sem grandes pormenores, mas acho que não lhe tira mérito
absolutamente nenhum. É incrível.
Quando penso em mágicos, pinto
sempre uma figura com uma capa preta, de forro azul-escuro, tudo acetinado,
muito brilhante. Uma varinha, não ao estilo Harry Potter, mas daquelas pretas,
que parecem uma caneta de feltro, com as pontas brancas (e na escola
brincávamos assim. Púnhamos duas tampinhas nas extremidades, uma roubada a
outra caneta, e apontávamos à cara dos colegas, com um tom ameaçador). Tem que
ter uma cartola, para sacar coelhos, cartas e flores de plástico. E, claro, tem
que vestir um fato, estilo empregado de mesa, com laçarote e tudo.
Nunca acreditei, mesmo quando era
miúda, que aquilo fosse verdade. É claro que tinha que haver ali um engano
qualquer, uma traição ao olho. É ilusão, não magia, afinal de contas.
É que são coisas bem diferentes.
A magia não tem um tom pejorativo. É algo pipilante. A ilusão, tem. Porque fica
ali colado o conceito de enganar, de passar a perna. E quem gosta de se sentir
enganado? Ninguém. Nunca levei nenhuma facada, mas acho que a sensação é mesmo
essa, sentir aço a cortar não a nossa carne, mas a nossa integridade. A carne
sara, mesmo com marca. Quanto ao resto, não posso garantir.
Nos espectáculos, o ilusionista
engana-nos por nossa vontade. Estamos predispostos a que nos mintam, e ali
ficamos, deliciados por estarmos a ser ludibriados, enquanto argolas de metal
se entrelaçam, enquanto serpentinas saem a jorro de gargantas, pombas voam,
claramente atordoadas, e amigos nossos ficam sem relógios e com cordas firmes
amarradas aos pulsos.
O problema é quando damos com
Houdinis da vida real. Não têm capas, chapéus largos, nem sapatos engraxados.
Não têm varinhas mágicas. Mas têm como hobby chamar alguém da assistência
forçada, que por ali passa, incauto. Depois, como nos desenhos animados, olham
para as entranhas da pessoa, emitem ondas vermelhas através dos globos
oculares, e fingem ser o que não são. Como em qualquer truque, ficamos sem
saber o que está a acontecer. Ó, Deus meu, é magia! Da verdadeira!
Depois, alguém estala os dedos, e
a performance termina. Era apenas uma ilusão.
Ficamos sozinhos, no centro de
uma pista de circo, sem sabermos muito bem o que fomos para ali fazer nem para
onde ir. Não há uma bela assistente, com um vestido de noite justo, a apontar a
saída! Que disparate, mas… É magia. Foi magia. Era o Houdini, caramba!
Não era nada o Houdini. Era só um
charlatão, a vender a banha da cobra. E, diz o povo, a mentira tem perna curta,
e ninguém pode fingir ser o Grande Houdini quando, na verdade, não tem mais do
que um truquezeco de cartas para nos mostrar, sem ases na manga para puxar.
Publicado originalmente em: Notícias do Nordeste
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