terça-feira, 15 de outubro de 2013

Dá-me música

Hoje, que atravesso um período particularmente musical, dei por mim atormentada com uma ideia. Estive a pensar (momento de rara beleza, diga-se) e na minha opinião o saber popular devia adoptar o seguinte ditado: namorados novos, banda sonora nova.

É que me deixa ligeiramente enervada isto de reciclar músicas, principalmente no que a relacionamentos toca. Quase todos temos uma música favorita, que quando passa na rádio, num bar ou nos nossos auscultadores nos deixa, como dizer, em transe. Algo próximo do sagrado. E por isso não considero justo, nada mesmo, que uma nova relação herde músicas usadas.

Imaginem só, para verem como isto é macabro e de uma insensibilidade extrema. Está um casal de namorados, de forma muito tórrida, a trocar beijos molhados e ardentes, e mais coisas que não é correcto descrever com pormenor. Ele abre uma garrafa de vinho e põe em altos berros aquela música da Whitney, que no refrão é assim: “and I, will always love you”. E nisto deixa cair que a ex-namorada lhe gravou um CD super fofo, com corações desenhados a caneta de feltro, onde figurava aquela faixa. Ou ela canta-lhe ao ouvido, com um tom de pimenta na voz, “take my breath away”, e depois vem ele a descobrir que já muito fôlego ela perdeu por causa daquela sonoridade.

Veemente me manifesto contra isso. Com tantas Alanis, Bryans, Bon Jovis, Scorpions e por aí fora, não merecerá a pessoa que partilha connosco um momento ter uma música só dela? Pelo menos dêem-lhe o seu momento Malato. Quando ouvirem a tal canção: “Ah, já fui tão feliz ao som desta música!”.

As letras das músicas, dizem os entendidos, conseguem expressar de forma perfeita aquilo que, por falta de coragem ou das palavras certas, nunca verbalizamos. Li até num sítio qualquer que, quando alguém nos disser “ouve esta música”, devemos é prestar atenção à letra. Mesmo assim, hei-de eu cantarolar, escrever num postal de São Valentim ou no mural do Facebook a “Because you loved me” a todos os homens de quem gostar? Logicamente que, num determinado momento, cada palavrinha daquilo pode (e deve) ter sido verdade. De forma mais lógica ainda há-de haver um outro alguém na nossa vida para quem as mesmas palavrinhas irão fazer o mesmo ou mais sentido. Mas, vá lá, para todos a mesma música? Cliché em demasia. 

Devemos conter-nos sempre antes de trautear, sequer, canções românticas. Vamos antes comprar CD’s,  vamos ao ITunes, ou vamos sacar ilegalmente melodias novas para ouvir e sonhar. E depois escolhemos uma, qual jukebox do amor, para uma ocasião especial a dois. Ou vamos a um concerto, e zás!, beijamos o respectivo ao som de uns acordes que reteremos na memória para sempre. Meus amigos, e assim trilhamos a nossa história musical.

Mais uma vez, todos os meus pensamentos são idílicos. Isto não sucede na vida real. Isto, senhores, é uma utopia. Não se iludam. A não ser que a música seja recente, e tenha sido lançada já depois de estarem juntos, a probabilidade de ter pertencido a outro alguém é enorme. De 0 a 100? Arrisco uns redondos 80% em como estou certa. Atenção que se estivermos a falar de homens o número aumenta. Como bem sabemos, a sua imaginação e paciência nestas lides é, desculpem-me, quase nula.

Está-nos no sangue! Gostamos de certas músicas, e isso é mais imutável do que gostar de alguém. Rezem todas as noites para pertencerem aos outros 20% restantes. Pensem agora em casais que terminaram relações, em que o amor morreu só de um lado. Enquanto um continua a cantar (e a chorar) Jennifer Rush no banho, a pensar no que aconteceu ("porquê, meu Deus?", pergunta, agoniado), o outro está a sintonizar essa mesma música no auto-rádio do seu carro, para tentar a sua sorte após um jantar mais afoito, pronto para demonstrar todo o seu “the power of love”.

Resolvi agora, neste momento, que nunca vou associar nenhuma música da minha banda preferida a nenhum relacionamento. Depois de reflectir pesadamente sobre o tema, cheguei a uma conclusão brilhante: no que nas relações toca, somos musicalmente limitados. Isto é genético. E não quero ir a nenhum concerto dos Muse para chorar baba e ranho porque uma música, que outrora me dava arrepios, me passou a lembrar um badameco qualquer, que por infelicidade, me deu música.

Sem comentários:

Enviar um comentário