Durante 10 anos, tentei.
Desmesuradamente, tentei.
Esforços falhados ficam para
trás. Uma investida foi bem-sucedida. Para trás ficam as horas a ler com o
candeeiro da mesinha-de-cabeceira, dias colada ao ecrã da televisão e tempos
infindáveis sentada em frente a um computador.
Ainda me lembro tão bem (até
porque foi há duas semanas) do anúncio de que seria mesmo desta. O optometrista
(palavra que me custa a dizer, pareço um motor de rega a tentar arrancar com
pouca gasolina) disse-me assim: “Ligeiro astigmatismo no olho direito. Para
melhor conforto visual é melhor usar óculos graduados, de descanso.”
E eu sorri. “Finalmente, irra!”,
pensei eu. Agradeci à saga Harry Potter (que cresci a ler), e à J.K.Rowling,
bem como a outros títulos e autores que li na calada da noite, e ainda aos
programas de TV que vi, a meio palmo de distância, de boca aberta.
Os óculos dão estatuto e parecem
tornar a malta mais inteligente. E eu queria pertencer a esse grupo. Li na
internet (ainda sem óculos) que metade da população portuguesa precisa, de
algum modo, de óculos. Entre alguma coisa como 5 milhões e 200 mil portugueses,
tinha eu que pertencer aos outros?
Antes fazia parte do grupo de
cromos que têm óculos com lentes de plástico para fingir que vêem mal, e assim
estão na moda (porque os óculos são um acessório de moda hoje em dia).
Agora já não.
Escolher os meus óculos (pretos e
quadrados) foi tarefa fácil. Faço parte do grupo de afortunadas pessoas a quem
tudo fica bem (sempre incluída em minorias).
Depois, veio o horror!
Os óculos estão sempre sujos.
Sinto que uso óculos de mergulho, no meio de um mar de algas, e não óculos cuja
missão era, supostamente, descansar-me.
Parece que nada os deixa asseados
– água e sabão resultam, mas secar é uma tormenta; as ditas toalhitas próprias
são gordurosas na sua maioria, e dizem-me que líquido limpa-vidros e jornal não
é boa apologia; o paninho que vem na caixa nem sempre se revela eficaz,
principalmente no dia em que perdi a caixa dos óculos, com ele lá dentro. Nesse
dia não me serviu mesmo para nada.
E a chuva? Ai, a chuva. O pó,
imagino, deve ser outra dor de cabeça.
Os problemas não ficam por aqui.
Não sei se é da falta de prática, mas quando cumprimento as pessoas com dois
beijinhos, sinto que as agrido com a armação (sei que esta frase pode ser
facilmente convertida numa piada dita de mau gosto. Não o façam).
Bato em imensa coisa. O meu rosto
agora é maior. É como virar um camião numa rua estreita – tudo é um potencial
perigo.
Passei pela tormenta de sentir a
cabeça esmagada pelas hastes. É incómodo, de facto. E agora, que me estão mais
largos, tenho medo que caiam e se estatelem num paralelo qualquer.
Às vezes, confesso, em casa,
esqueço-me de os pôr para ler. Outras vezes, esqueço-me de os tirar.
Mas gosto de ser “vidrinhos”,
“caixa de óculos” e “quatro-olhos”. Reparei que mais malta me trata por
“senhora” (não que goste, mas devo parecer mais velha, sei lá), o que é bom
para quem galopa para os 30.
Só é pena dar tanto trabalho, ser
quatro-olhos.
Más línguas, boas conversas.
In Jornal Terra Quente (15 de Setembro de 2014)
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