segunda-feira, 22 de setembro de 2014

A raspar é que a gente enriquece

De manhã, à hora do almoço e ao final do dia.
Invariavelmente, há sempre gente em sítios específicos aqui na cidade – nos quiosques.
“As pessoas lêem muito”, pensarão os mais incautos.
Chegam a fazer fila as pessoas que buscam a sorte de comprar, com um euro ou pouco mais, o descanso eterno. Não, c’um raio, não é esse descanso eterno. É aquele alcançado quando temos tanto dinheiro que chega para viver fartamente esta vida e as próximas 5000 reencarnações.
Raspadinhas – a moda que chegou para ficar. A malta tenta a sorte em pedacinhos de papel coloridos, em que temos de raspar (normalmente com moedinhas “pretas”, de 1 ou 2 cêntimos) e encontrar símbolos iguais, que nos dêem um grande numerário (descontando, dependendo da quantia, os devidos impostos).
De manhã, a raspadinha pode ser o passaporte para não ir trabalhar e ter um dia épico. Depois do almoço, maços de notas caíam bem como digestivo, e não se ia trabalhar. À noite tenta-se de novo, porque no dia seguinte era perfeito para um “demito-me”, pegar na bóia, no fato-de-banho e no protector solar e rumar a uma praia paradisíaca, com cocktails a aparecer, materializando-se do nada.
Claro que há pessoas que ganham. Nós sabemos porque é assunto digno de notícia, embora quem dê a cara, pomposamente, sejam os donos dos ditos quiosques e pontos de venda, abençoados com lotes de milionários papéis coloridos.
A maioria dos comuns mortais vai jogar uma vida inteira, e nas seguintes encarnações, sem que veja um único cheque chorudo dos Jogos Santa Casa. E faz sentido não é? Se todos ganhássemos por dá cá aquela palha, além do problema do excesso de ricos,que iria desequilibrar a balança comercial, com o aumento das importações (aumentariam as receitas em impostos, é certo, isso sim), não seria um negócio rentável.
Os jogos que metem cifrões não são inventados e mantidos só porque é muito divertido e porque se quer uma avalanche de novos-ricos. Toda a gente sabe, certo?
Às vezes, quando me desloco a um destes quiosques, normalmente à quinta-feira, e por isso em tempo de experimentar também as filas dos euromilhonáticos, ouço dos lamentos dirigidos ao quiosqueiro. “Nunca me sai nada… Ora veja lá, tem prémio? Oh, já sabia…”, ao qual o senhor do outro lado, o dono dos papéis mágicos, apenas responde “Pois é. Mais uma?”.
Voltando um pouco atrás, há pessoas tão descrentes que algum ser não dotado de poderes especiais possa ser bafejado por tamanha sorte, que já se criaram fóruns de discussão online, onde se pergunta “Então mas há desse lado algum ganhador? É que eu jogo há imenso tempo, e nunca ganhei nada”. Há quem responda que antes, quando começou a jogar, ia-lhe saindo alguma coisita, mas que ultimamente parecem ter fechado as comportas que jorram dinheiro.
Ainda assim, haverá sempre vencedores, que passam imediatamente ao patamar dos sortudos, lá num pedestal.
Os pontos de venda fazem publicidade a si mesmos: “Aqui saiu o 1º prémio/Raspadinha do Natal/ Raspadinha Pé-de-Meia/ Raspadinha que-deu-tantos-zeros-à-direita-à-conta-de-alguém-que-era-indecente-escrever-aqui.
“Saiu aos outros, e não me há-de sair a mim?”. Munido de 1 euro, avança-se, determinado. A maioria das vezes não se ganha. Falta um símbolo, que devia fazer par com outro, e nunca faz. A ânsia de ficar milionário a raspar um papel, com moedinhas pequeninas, das que ninguém quer, fica adiada para amanhã.
Sem malas Louis Vuitton, férias nas Maldivas, mas, sobretudo, sem a hipoteca da casa paga, a mensalidade do carro, as contas de água, luz e gás, as compras do mês, os medicamentos da tensão e o material escolar que faz falta aos filhos, segue-se para o trabalho, quando se tem um.
Não foi desta. Ainda não é desta que se vira o enguiço.
But…

“The world should be prepare when I a millionaire.”


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