sexta-feira, 19 de junho de 2015

Aquilo que o Diabo é

Há pessoas que têm medo do Diabo. Da figura que traja de vermelho, com cornos revirados e um tridente. Ah! E com um rabo comprido, metediço e pontiagudo

Eu, pessoalmente, não gosto de tecer considerações sobre quem não conheço.

O Diabo nem sempre se chamou Diabo, e tem outros nomes, que não Diabo. Muitos não são bonitos, mas também, quantas pessoas por aí se queixam do mesmo? Na versão 2.0, o Diabo é um anjo que deu em rebelde. Tinha tudo para ser um anjo como os outros, mas embicou para o lado negro da coisa. 

Pode ser visto como um anti-herói em alguns casos. Sem ele, poderia não existir o Drácula e ainda estaríamos aprisionados no Paraíso, onde nem se podem comer maçãs. 

O Diabo incita a maldade, porque, contam, é a natureza do Diabo. Só não é pior do que o Diabo, porque ele próprio é, pois, o Diabo em pessoa. 

O Diabo tem mafarricos. Os mafarricos são uma espécie de amigos subordinados, que ajudam a concretizar as empreitadas infernais. Também há quem chame mafarrico ao Diabo. Eu encaro como uma redução da personagem, e prefiro a história dos mafarricos, que andam entre o amigo e o lacaio. 

O Diabo faz coisas más. É mau. É feio. Sujo, da fuligem do Inferno. No Inferno não há água, e ninguém toma banho. No Inferno sofre-se. O Inferno é a Terra, com mais aquecimento global.

O Diabo provoca medos. O Diabo é o medo. A minha mãe tem medo do Diabo, e não me deixa espanar a toalha do jantar na rua. Crenças dizem que o Diabo, na escuridão que tão bem conhece e acolhe, vem comer as migalhas até à porta de nossa casa. Não acredito que o Diabo coma migalhas. Não tenho, por isso, medo que o Diabo me salte ao caminho ao ouvir as dobradiças a chiar.

O Diabo não se dá bem com os vizinhos. O Diabo entrega-os, pobres inocentes, em troca de benefícios. O Diabo chupa almas, descontraído, como quem bebe um copo de leite ao pequeno-almoço. 

O Diabo é o prato desequilibrado de uma balança, que é sempre mais pesada do lado do bem. Porque o Diabo é o mal, e o mal é levezinho. 

Em paradoxo, com o Diabo ninguém pode, ainda que ele carregue muita gente, que vai a mando de outros. O Diabo tem muita energia, e está sempre em todo o lado. 

O Diabo é o Diabo. O Diabo ri-se nas ventanias, assobia nos telhados enquanto atira pedras aos gatos que não são pretos. E ele vê bem, e tem boa pontaria. 

O Diabo espreita nos caminhos, nas encruzilhadas. Juntamos pão e sal num lencinho para o afastar. Fazemos sinais da cruz com água benta. 

Não há meio de o Diabo deixar de o ser tinhoso do costume, de olhos amarelos, com uma lágrima no meio. 

Ser do contra cansa. O dia virá em que o Diabo vai pedir a reforma, vai embora para outra toca, vai blasfemar para outra freguesia. E nessa altura veremos que o Diabo era só um gajo porreiro, que tinha a mania de andar de vermelho e descuidava a higiene pessoal por falta de tempo. Porque o Diabo tem sentido de humor. Ou Deus. Ou os dois. Bem juntinhos, ou em separados e em segredo, não sei bem, prepararam coisas tão retorcidas e perversas, que só se conjecturam mesmo em cabeças humanas.


Publicado originalmente in Notícias do Nordeste

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